Tempos atrás fui questionado em uma lista de discussões ao inserir o seguinte argumento, todo cheio de pompa e rebuscamento, como é típico dos grandes argumentos da humanidade:
“Design social é chato”
Pronto! foi o pivô de cucurbitações extasiantes, ofensas aleatórias e respostas que pareciam quase, mas não totalmente, completamente diferentes um debate construtivista (valeu, Douglas Adams!).
A verdade é que, com tantos modismos indo e vindo anexados no discurso de nosso querido design, fica extremamente difícil manter um foco sobre a atuação profissional. Quem pensa no design focado em marketing e administração corre o risco de ser taxado de “fomentador do consumismo”, “sanguessuga de moedas”, “porco capitalista” ou coisa pior. Quem analisa com foco em temas sociais, por outro lado, é “inimigo da profissão”, “populista”, “panfletário” ou ainda “profissional incompetente que virou professor” (esta última é a mais clássica). Nem caio no risco de citar sustentabilidade aqui – o termo mais em voga na nossa insignificante esfera azul nos últimos anos, e também o de significado real mais obscuro (chegando, neste quesito, a passar para trás com honras outros clássicos: “agregar valor”, “paradigma”, “interdisciplinariedade” e o meu preferido, “design como ferramenta competitiva estratégica”).
Para piorar, há, no Brasil, uma cultura estranha de que o lucro é pecaminoso. Ao mesmo tempo que empresas são vistas com maus olhos quando mostram publicamente que estão muito mais preocupadas em gerar dividendos que em salvar o planeta, um profissional de design que abandona o discurso social em troca de clientes é um “vendido” ou “prostituto”. Embalagens longa-vida são difíceis de se reciclar. Logo, quem desenha embalagens longa-vida é vilão. Quem diz “Não! Eu só trabalho com papel reciclado” para o cliente é herói. Isso ocorre mesmo que a longo prazo a atuação do primeiro se mostre como mais sustentável que do segundo, porque é difícil de analisar nestes casos relações de causa e efeito mais aprofundadas – e como tanto diz Steven Levitt em seu Freakonomics, relações de causa e efeito puras e diretas são difíceis de encontrar. Assim, talvez o primeiro designer possa estar contribuindo mais para nosso “mundo feliz” que o segundo sem sequer perceber isso – enquanto o outro, ao escolher trabalhar com determinados produtos sem conhecer a fundo seus ciclos de vida, pode estar causando um impacto ambiental muito maior, apesar das boas intenções.
Esse exemplo simples da complexidade de se trabalhar com design social é útil para entendermos outros “problemas” que inevitavelmente todo designer acaba enfrentando em sua vida profissional, como por exemplo a “indispensável educação” de clientes. Da mesma forma que um designer atrapalhado pode causar um dano ainda maior ao ambiente ao querer, na verdade, reduzí-lo, um designer com a melhor das intenções de educar seus clientes para o valor da atividade pode causar o efeito inverso e criar uma aversão eterna ao design. Essa é a consequência de guiar atos pelo senso comum.
Independente do rumo profissional que queremos seguir, independente das escolhas que fazemos, ter foco é essencial. Designers tem o péssimo hábito de querer mudar o mundo – partindo do princípio que o mundo queira ser mudado – e de pensar que ele é assim justamente por não conhecer o potencial do nosso trabalho. Besteira. Nós não somos deuses. Não somos super-heróis, nem temos as respostas para todos os problemas. E, principalmente, não precisamos forçar a existência de um aspecto social no design porque o design *é* social em sua essência. É uma redundância.
Proponho uma troca, então: deixemos de lado esta nossa prepotência – este nosso pretensionismo – e consideremos atitudes mais singelas. Você quer educar as pessoas para o design? Então que tal educar a si mesmo para entender as pessoas? Seus clientes vão agradecer. Você quer ajudar a criar um mundo mais verde? Estude bastante e vá fazer um mestrado ou doutorado (aliás, por que designers odeiam tanto livros?) em alguma linha de pesquisa ligada a sustainability design. Escreva uma tese bacana. Publique. Crie um caminho e mostre ele para o mundo, trocando achismos por fatos.
Ah, sobre o Galaxie Landau, para quem não sabe, era o carro top de linha da Ford até 1983 – um gigante de cinco metros e meio por dois, que (bem regulado) faz uma média de 3,5 km/l. Um tremendo poluidor na atmosfera. Sem problemas – durante a semana eu ando de bicicleta, então equilibro minhas emissões as de carbono. E eu durmo bem à noite.
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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em filmes dos Irmãos Marx, livros de HQs, dormir em rede, Albert Camus e voadoras, não necessariamente nesta ordem.