Série “Mitos do Design Gráfico” #1: Vermelho Chama Mais a Atenção

Por que é mito?

No começo da carreira como designer, eu também acreditava nesse “poder” da cor. Acreditava porque ouvia muita gente repetir, lia em livros, sites e até assistia na televisão. Como era um pensamento comum, eu aceitava, pois imaginava que era impossível ter tanta gente equivocada.

Tolinho. Eu era bem tolinho.

Mas, com o passar do tempo, e depois de estudar outros assuntos, além da teoria das cores, eu percebi que tinha alguma coisa errada nessa história de “chamar a atenção”. Foi só depois de ler sobre a “atenção em si”, em livros e periódicos de cognição, ergonomia e percepção visual, que eu cheguei à conclusão de que não tinham me contado tudo.

Pra responder essa questão sobre cores que atraem, precisamos entender o que é a atenção e como ela se relaciona com a percepção visual. (Antes, um aviso: se você acha que já sabe tudo sobre cor e percepção, não precisa ler o artigo, ele não tem nenhuma novidade pra você).

O que é a atenção?

A atenção é o processo cerebral em que nos concentramos seletivamente em um aspecto do ambiente enquanto deixamos outros de lado.

Antes de prestar atenção em algo, é preciso senti-lo, captá-lo com nossos sentidos. No entanto, visto que nosso cérebro é limitado, ele não reage “a todos os estímulos que recebe”, seja uma cor vermelha, amarela ou qualquer outra. Se não fosse assim, o cérebro entraria em colapso, dada a quantidade absurda de estímulos que chegam a nós. Autores como Ornstein (1986) chegam a dizer que diariamente recebemos bilhões de estímulos. 

Por isso, o cérebro desenvolveu a chamada seleção perceptiva, ou seja, as pessoas atendem apenas a uma pequena porção dos estímulos a que são expostos. Logo, usar vermelho não é garantia de que algo vai chamar mais ou menos atenção, pois a pessoa pode simplesmente ignorar essa cor.

Mas digamos que o vermelho foi uma das cores que a percepção detectou. Isso significa que ela irá chamar mais a atenção em relação às demais cores (ou comprimentos vísiveis da luz branca)? Não necessariamente.

Visão antiga

Essa idéia de que o vermelho “chama mais a atenção” reflete uma visão antiga, pavloviana, passiva, sobre o comportamento humano, do tipo “ligue o botão A e acontecerá a reação B” ou “use a cor X e o cérebro fará Y”. Esse tipo de pensamento ignora o fato de que a percepção é um processo ativo, que é afetado por filtros baseados nas nossas experiências anteriores e na cultura.

Nem tudo é percebido

Um desses filtros é chamado de vigilância perceptiva, ou seja, as pessoas tem uma tendência a perceber estímulos que se relacionam com suas necessidades presentes. Se uma pessoa precisa encontrar um objeto cuja cor ele sabe que é amarela (uma caixa de Maizena, num supermercado, por ex.) ele pode simplesmente ignorar objetos de cor vermelha e sequer prestar atenção nela. O mesmo acontece quando procuramos um livro verde na estante ou um link azul numa página de Internet. Nossa necessidade filtra os estímulos e nos faz reagir apenas aos que nos interessam.

Outro filtro utilizado pelo cérebro é a defesa ou distorção perceptiva. Isso significa que as pessoas vêem o que elas querem ver. Esse fenômeno explica porque nem sempre as pessoas interpretam nossas mensagens visuais da maneira como gostaríamos, mas sim do jeito que elas bem entenderem. Nesse processo de distorção, o uso do vermelho não garante que alguém vai selecionar esse estímulo e muito menos prestar atenção nele. Os interesses e necessidades individuais tem papel dominante, independente do uso de uma cor vibrante.

Por último, um fator que questiona essa supremacia da cor X ou Y é a adaptação, ou seja, o grau em que uma pessoa continua notando um estímulo com o passar do tempo. No processo de adaptação, as pessoas simplesmente podem deixar de prestar atenção a um estímulo, ou cor, só porque ela ficou muito familiar. Isso também pode ser chamado de “habituação”, que é quando um estímulo perde força. Os psicólogos detectaram vários fatores que podem gerar adaptação, como a intensidade do estímulo, duração, discriminação, exposição e relevância.

Isso quer dizer que a cor não tem impacto nenhum na nossa atenção?

Sim, possui, mas ela não trabalha de maneira isolada. É a cor, combinada com outros fatores do ambiente e do contexto, que podem atrair ou afastar a atenção. Em geral, os estímulos que são diferentes de outros ao redor tem mais chance de serem notados. Isso pode ser obtido com o tamanho, a cor, a posição ou a simples novidade (aparecer em um lugar inesperado). Utilizar um azul na embalagem, numa categoria de alimentos em que todas as embalagens são vermelhas, pode ter um efeito psicológico atrativo muito mais forte.

Conclusão

Logo, não é a cor vermelha que vai chamar a atenção e sim esse estímulo em relação a outros fatores como o interesse da pessoa, a quantidade de vezes em que ela foi exposta antes àquela cor, quais cores estão no ambiente ao redor, qual a proporção da área vermelha – é um ponto vermelho ou um metro quadrado? -, qual a relação pessoal que o indivíduo tem em relação ao vermelho, em que contexto a pessoa se encontra, que necessidade ela tem no momento, etc.

Muitos designers tem essa consciência, e sabem que essas receitas prontas de design poupam tempo, mas não resolvem o problema. Infelizmente, discutir esses temas é motivo pra arrumar briga, pois pra muita gente esses mitos são tabus, coisas sagradas que não podem ser tocadas. Quem sabe, com este artigo, elas se dêem conta de que as coisas não são tão simples como parecem, e que vale a pena ir mais a fundo nessas questões.

Referências

Solomon, M. (2002) Consumer Behavior – Buying, Having and Being. 5a edição. Prentice-Hall.

Ornstein, R. (1986) The Psychology of Consciousness (1986). 4a edição. Penguin Books.

Harré, R. (2002) Cognitive science: A philosophical introduction. Londres: SAGE Publications.

Deutsch, J.A. & Deutsch, D., (1963) Attention: some theoretical considerations. Psychological Review, 70, 80-90.

Treisman, A., & Gelade, G. (1980) A feature-integration theory of attention. Cognitive Psychology, 12,97-136.

Wolfe, J. M. (1994) “Guided search 2.0: a revised model of visual search.” Psychonomic Bulletin Review 1: 202-238.

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