Paz no mercado

Metáforas são tudo de bom. Elas transferem o sentido original de uma palavra para um novo contexto e, com isso, contribuem muito para a gente se expressar de forma mais didática, organizar melhor os pensamentos e entender com mais clareza nosso tresloucado mundo. Ela se aproveita de idéias conhecidas e familiares para introduzir outras, mais novas e originais. Há que se ter muita cultura e criatividade para dominar essa arte, e não é à toa que a gente encontra verdadeiros mestres do riscado entre os maiores filósofos.

Os profissionais de marketing e os homens de negócios, que não são bobos nem nada, vivem explorando as amplas possibilidades dessa poderosa ferramenta. Só que num mundo mergulhado em testosterona, acabam apelando para o esperados e manjados conflitos e disputas como figura de linguagem. Independente de todos os méritos da obra “A arte da guerra”, do lendário Sun Tzu, não gosto da metáfora. Mesmo tendo inspirado tanta gente boa e servir de referência até hoje, ainda me incomodo com esse jeito de pensar. Acho exageradamente belicoso e o mundo já tem esse ingrediente em excesso. Como é que o pessoal coloca mesmo nos briefings? Ah, público-alvo. Não engulo esse nome de jeito nenhum.

Lembrei disso numa visita recente que fiz ao site de um dos maiores escritórios de design do Brasil especializado em gestão de marcas, o Ana Couto Branding & Design. Bem na página inicial, aparece a seguinte frase: O objetivo de uma marca não é atingir seu público”. Logo depois, vem: “O público não é um alvo”. O que posso dizer de tanta audácia e atrevimento? A-do-rei! Fazia tempo que não me sentia tão identificada com uma abordagem.

O uso constante da metáfora da guerra acaba por provocar esses tratamentos brutais que a gente é submetido todo dia por empresas que se dizem preocupadas conosco. Mas também, o que esperar de alguém que quer nos atingir, que nos considera apenas um alvo? Alvo não interage, é passivo. Fica quieto, só esperando ser espetado ou furado. Ninguém respeita alvo; ele está lá só como exercício, para contar pontos na competição, para somente um ganhar e todos os outros perderem (claro que o alvo nunca ganha). Alvo é bidimensional, sem nenhum refinamento ou originalidade. Ninguém quer saber o que o alvo pensa, sente, ou quer. É cruel e de mau gosto. Não sei quanto a vocês, mas eu detesto ser vista e tratada como alvo. Precisamos urgentemente de novas idéias.

Aliás, tenho até uma sugestão a dar. Que tal, se em vez de público-alvo, a gente usasse uma metáfora mais parecida com a maneira com que a empresa quer (ou diz que quer) tratar o seu cliente? Simplificaria muito mais os planejamentos, pois o grau de intimidade e atenção que se daria ao freguês ficaria mais definido: teríamos o público-pretê, o público-ficante, o público-namorado, o público-apaixonado, o público-comprometido, o público-pra-casar, o público-amigo-de-infância, o público-colega-de-aula, o público-casinho, o público-conhecido-de-vista, o público-confidente, o público-vizinho-de-porta, o público-amante, o público-sai-pra-lá, o público-só-por-uma-noite, e mais uma infinita gama de ricas possibilidades.

A metáfora da guerra, além de simplista, está datada. Que atingir o mercado, que nada. Vamos seduzi-lo, encantá-lo, atraí-lo, até mesmo desencaminhá-lo, mas jamais pela força bruta. Alvos são para meninos crescidos brincarem. E design, vocês sabem, é coisa de gente grande.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

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