Publiquei essa coluna no meu blog em novembro de 2007, mas penso que a questão ainda continua valendo, ainda mais depois de termos falado tanto em criatividade no meu post anterior.
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Acredito que o design é irmão da inovação. Não diria que é o pai porque a inovação nasceu bem antes do design (ela nasceu com o mundo: ele, com a revolução industrial). Também não dá para dizer que a inovação é a mãe do design porque há montes de projetos por aí onde os genes inovadores são flagrantemente recessivos. Fiquemos então assim: são irmãos ligadíssimos, unha e cutícula. Pois, no Brasil, um vive chorando no colo do outro porque estão os dois sem pai nem mãe.
Digo isso baseada no excelente ensaio do prestigiado Clemente da Nóbrega na Época Negócios out/2007 (aliás, essa revista tem se revelado uma agradável surpresa num segmento até então dominado pela jurássica Exame). O título roubou minha atenção já na banca: “Por que somos tão pouco inovadores?”.
Tentando responder porque o Brasil ocupa um longínquo 40º lugar em um ranking mundial organizado pelo prestigiado INSEAD, Nóbrega nos conta que depois de mergulhar em muitos estudos e estatísticas, chegou a conclusões bem tristes sobre a predominância do conservadorismo nas nossas empresas. Simplesmente não há ambiente para inovação no Brasil; o risco é desproporcional aos ganhos. Mas vamos por partes, a fim de que a linha de raciocínio fique mais clara.
Nóbrega comparou atributos de países líderes em inovação e descobriu que os inovadores são ricos de uma maneira muito semelhante. Já os não inovadores são pobres de maneiras diferentes.
Vejamos algumas características que fazem toda a diferença. Primeiro, nos inovadores (e ricos) há um alto nível de confiança nas relações interpessoais. Isso quer dizer que a cooperação com base na reciprocidade está fortemente arraigada na cultura do lugar. Em outras palavras, as pessoas recebem proporcionalmente ao que dão. Não se tolera alguém receber por algo para o qual não contribuiu; da mesma forma, não se admite que alguém que contribuiu não receba a sua justa parte. O outro nome para essa regra básica de civilidade é meritocracia, onde é imoral pegar carona no esforço de outrem. E inovação é esforço, risco. Quanto mais radical a inovação, mais alto é o risco de acabar com uma empresa falida e cheia de dívidas. Se você não tem garantias que receberá uma retribuição à altura dos resultados que conseguir, para que se arriscar tanto?
Esse traço acaba dando origem a outro. Como o sucesso nos países não inovadores está desvinculado do esforço pessoal (inclusive, aqui é muito feio a pessoa ficar rica à custa de seu próprio trabalho – ela é acusada de ser “dazelite”), essas sociedades, em vez de preferirem gestões mais pragmáticas e racionais, tendem a abraçar o oculto e o mágico, os grandes líderes carismáticos e populistas.
Isso faz com que o Brasil lidere um ranking que, de nenhuma forma pode ajudar a melhorar o quadro: o grau de desconfiança. Em uma pesquisa realizada em vários países do mundo foi perguntado se a pessoa achava que, em seu país, a maioria das pessoas é confiável. Cerca de 65% dos noruegueses responderam que sim. Os suecos, um pouco mais desconfiados, tiveram 60% das respostas favoráveis. Quanto você acha que foi o índice dos brasileiros? Sente-se primeiro, pois vai doer: apenas 3% (isso mesmo, três em cada cem) dos brasileiros acha seus compatriotas confiáveis. É mole?
No excelente artigo há ainda um esclarecimento sobre o termo tecnologia no âmbito dos estudos da inovação. Há, segundo o autor, dois tipos de tecnologia: as físicas e as sociais. As físicas são aquelas que a gente pensou logo que leu a palavra tecnologia – ferramentas e conhecimentos que tornam possível a construção de uma estação espacial ou um iPhone, por exemplo.
As tecnologias sociais são maneiras de organizar as pessoas para colaborarem em empreendimentos comuns: linhas de montagem, sistemas de gestão, franquias, leis, etc. Para Nóbrega, as tecnologias sociais são mais importantes que as físicas para a inovação, já que as primeiras podem ser compradas, mas as segundas, não, pois são dependentes da cultura. Se o país não possui tecnologias sociais, ele fica dependente de gênios para gerar invenções que quem sabe, um dia, poderão ser utilizadas para gerar riqueza. O autor enfatiza: só um louco pode apostar na proliferação de gênios acima da média para conseguir qualquer coisa.
Uma das tecnologias mais importantes para a inovação é o sistema de leis (não só sua elaboração, mas o seu cumprimento, principalmente). Em um ambiente trambiqueiro, onde as normas sociais não dão suporte à cooperação, as pessoas estão sempre desconfiadas e todo mundo tende a proteger seu próprio traseiro (palavras do Clemente). Todo mundo se acha “esperto” e a corrupção, a desonestidade e a roubalheira acabam sendo normas culturais, com atitudes morais distorcidas do tipo “se eu não fizer, outro faz”.
Pois é, por mais que a FINEP, o CNPq, a CAPES e outros tantos organismos trabalhem e promovam programas para incentivar a inovação, a conclusão é inequívoca: reformar o sistema jurídico e político no Brasil é mais importante para inovação do que investir rios de dinheiro em bolsas, cursos, programas e estudos.
Eu penso que é necessário investir nos dois, mas concordo que uma mudança de cultura é pré-requisito. Pois agora…
O Clemente é muito bom e o meu resumo só tem os pontos que julguei principais. Vale a pena ler o artigo na íntegra para ter mais detalhes dos estudos que ele menciona.
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br