Logotipo x logomarca > Coando o mosquito e engolindo o camelo

“Coar o mosquito e engolir o camelo” é uma expressão que foi usada por Jesus Cristo, para indicar que alguns às vezes ficam se preocupando com coisas mínimas, enquanto aquilo que realmente deve ser evitado continua sendo aceito e praticado. Conforme eu já expliquei num post, aqui nesse site, essa discussão sobre se o certo é logotipo ou logomarca, não toca no real problema: a ignorância de alguns designers sobre o que é identidade visual, marca, branding, expressão visual de marca, expressão sonora, expressão tátil, expressão olfativa e expressão gustativa. Essa ignorância é o real “camelo” que continua sendo engolido, enquanto ficamos cuidando de mosquitos.
Essa discussão em torno de qual o melhor termo para designar a junção de “símbolo + logotipo” revela algumas incoerências, tanto na profissão do designer gráfico, quanto na dos diretores de arte/publicitários:

  • 1) Algumas pessoas se preocupam tanto com símbolo e logotipo, pois na cabeça delas, esses são os únicos elementos que compõem a identidade. Mas não são. Um produto, por exemplo, pode ser identificado mesmo sem a presença desses elementos. Eu posso diferenciar um refrigerante pelo formato da sua embalagem (Coca-Cola). Posso identificar um chocolate pela padronagem de fundo com retângulos vermelhos e amarelos presente na embalagem (Chokito). Consigo perceber uma empresa de telefonia celular pelo estilo das fotografias que ela usa nos materiais gráficos (Vivo). Posso identificar um banco pela presença de um gesto num comercial de TV, que lembra o @ com a letra “i” (Itaú). Se eu for mais longe, consigo identificar até um parque temático por usar um idioma próprio, o “hopês”, onde bom dia é “bom bini” e tchau é “chauí” (Hopi Hari), diferencio uma empresa pelo uso frequente de uma textura de céu azul na propaganda (Claro), uma marca de processador apenas pelo som (Intel), um jornal apenas pelo tipo de letra utilizado no corpo do texto (Folha de S. Paulo), um achocolatado pelo seu cheiro (Toddy) ou um sorvete pelo gosto que tem (Häagen-Dazs).
  • 2) Essas pessoas pensam que identidade é só símbolo e logotipo, pois leram isso em um monte de livros que repetiam essa bobagem, ou aprenderam numa faculdade com um professor desatualizado que ensina identidade visual como se ensinava há quase 60 anos atrás (no tempo da vovó), ou porque simplesmente a maioria fala assim, então deve ser verdade. Da mesma forma, as pessoas saem por aí repetindo que se deve tomar 2 litros de água todo dia (isso não tem comprovação científica) ou que armas são a coisa mais perigosa que se pode ter em casa (sendo que piscinas matam muito mais crianças por ano). Ainda se ensina identidade como na década de 50, num tempo em que os produtos não tinham tanta concorrência, e a única coisa que precisava ser diferenciada era a “corporação”, que levou ao que se chama identidade corporativa. Acontece que identidade corporativa não é o mesmo que identidade de marca, identidade de produto, identidade experiencial.
  • 3) Como muitos “acham que identidade é só símbolo e logotipo” (estou sendo repetitivo para enfatizar), o que se vê por aí é a famosa identidade-carimbo: se o fulano fizer um papel de carta, um envelope, um uniforme, um totem de fachada, uma embalagem, uma sinalização de carro, dentre outros, ele vai sair carimbando a dupla “símbolo e logotipo” em tudo que aparecer pela frente, com seu carimbo-mágico-aplicador-de-identidades. Isso explica porque muitos clientes acham um absurdo pagar 10.000, 100.000 ou 3 milhões de reais por um “sistema de identidade”, pois se for pra sair carimbando um desenho, o sobrinho dele faz isso por muito menos. Carimbo por carimbo, não precisamos de um designer para fazer. O que precisa mesmo de um designer é pensar de que maneira podemos identificar um “produto, marca, serviço, pessoa, empresa, experiência” sem ficar repetindo um símbolo acompanhado de um logotipo.
  • 4) Logo, nós designers gráficos podemos criar uma identidade de maneira multi-sensorial, usando a cor, tipografia, padronagens, texturas, grafismos, materiais, estilo fotográfico, gestos, e com a ajuda de outros profissionais, criar a identidade pelo som, cheiro, gosto e superfície, conforme ilustra Marc Gobé, no seu livro “Design Emocional”.

Portanto, quando estivermos projetando identidades completas, que diferenciem através de vários sentidos, e que não precisem depender da receitinha ultrapassada de “símbolo e logotipo”, essa preocupação sobre chamar de “logomarca” ou não, vai ser inócua.

Prof. Ricardo Martins
Depto. de Design
Universidade Federal do Paraná

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *