Inovação, caixas mágicas e o post de D. Norman.

Recentemente D. Norman, ex-designer da Apple, afirmou que a Design Research (um dos pilares do Design Thinking), não funciona como alavanca de inovações de ruptura, sendo ferramenta interessante apenas para posicionar um produto dentro de um melhor contexto de uso. Esse artigo criou e continua criando polêmica, tendo sido no Brasil recentemente citado pela revista Época.

Antes de expressar a minha opinião à respeito, eu gostaria de explorar um pouco mais o conceito de Inovação, o qual, na minha opinião, tem sido encarado de forma errônea por consultores e curiosos no assunto.

É comum relacionarmos o termo inovação com algo totalmente novo e cujo funcionamento não pode ser facilmente decodificado. Algo como uma caixa mágica, que nos magnetiza pela complexidade do que faz sem nos dar idéia de como efetivamente faz. (ex. Avião, carro, televisão…)

Mas o fato é que inovações estão longe de se limitar a algo técnicamente avançado a tal ponto de se tornar misterioso. E ai encontramos uma distorção, um gap entre o que é inovador e o que consultores e professores querem que seja inovador.

Inovação é, de fato, valor percebido.
E como tal não deve ser foco para output de projeto nenhum.

Ou seja, não se deve iniciar um projeto com a meta: “Vamos criar uma inovação”. Isso na prática não quer dizer nada e nem sequer é possível. Não é você que cria uma inovação.Considere que são as pessoas, em seu contexto de adoção e uso, que elevam o seu produto à categoria de inovação.

Agora voltando a abordagem de D. Nornan. Em primeiro lugar quero registrar que aprecio demais o trabalho do Designer, e que o seu livro “O Design Emocional” me inspirou bastante para eu hoje fazer o que faço: Ajudar empresas a criar mudanças relevantes que impactem positivamente seus negócios e pessoas.

Existem alguns pontos, no entanto, os quais eu gostaria de ressaltar. O primeiro é que D. Norman em nenhum momento cita o Design Thinking como ferramenta limitada à inovações incrementais. Ele cita a Design Research, que é um dos pilares do Design Thinking, mas não é todo o processo. E isso faz toda a diferença. Os processos que sucedem a Design Research são os que envolvem a maior carga de criação de soluções futuras, ou seja, não se limitam apenas à condições pré-existentes, mas fazem uso do pensamento criativo guiado por lentes baseadas em necessidades e desejos geradas pela Design Research.

A revista Época não considerou esse “pequeno” detalhe, e em sua reportagem cita claramente e errôneamente: “Um Designer da Apple questiona o valor do design thinking e da etnografia para produzir inovações radicais.”

Leia o artigo original aqui (ou apenas dê um search por Design Thinking).

Dois outros pontos:

D. Norman afirma que a maioria das inovações é incremental e não de ruptura. E ele está certo. Mas ele não faz menção em dizer que uma é melhor que a outra. Não existe essa comparação de valor. Sua empresa pode se tornar a número um de um determinado segmento e se manter lá por anos por conta de uma inovação incremental.
Exemplos? O Ipod, o Google e o Facebook. Sim, todos esses produtos e serviços não são “caixas mágicas”, mas sim recompilações de elementos pré-existentes, arranjados de uma melhor forma para se encaixar de forma mais precisa ao contexto de vida das pessoas.

Essa comparação e busca eterna pela etiqueta “inovação de ruptura” está apenas da cabeça de profissionais que orbitam o assunto inovação e nasce da mística do efeito “Caixa Mágica” descrito acima. Talvez quando Richard Branson decolar com passageiros para o espaço? Ou seria essa também incremental? Vê? Irrelevante.

Para um melhor entendimento do quanto uma adequação de contexto de uso pode afetar a sua e a minha vida, gerar uma inovação (incremental?), salvar vidas ou impulsionar um negócio ao topo da categoria, vejamos os dois pontos abaixo.

1) Inovações são inovações porque são relevantes para as pessoas e não porque são “fantásticas”.

E como tal, pouco importa se são de ruptura ou não. Aliás pouco realmente importa para as pessoas que usam e para as empresas que criam se aquilo será uma inovação de ruptura. Ou você acha que Steve Jobs anda por ai de um lado para o outro pensando:”Preciso criar uma inovação de ruptura” ? .
Mas como D. Norman, bem, coloca no artigo dele, esse termo fica mais bonito no powerpoint de especialistas em inovação e por isso é tão “cobiçado” pelos mesmos.
O ponto é: Uma empresa deve focar seus esforços em criar coisas relevantes que ajudem as pessoas a viver e a trabalhar melhor.

Exemplo:
Veja o filme : “Flash of Genius” . Sobre o inventor da pausa do limpador do para-brisa. Sim ele inventou apenas a pausa. Não foi o carro, nem o limpador e nem o para-brisa. E se você acha pouco, a próxima vez que você estiver preso no trânsito com chuva, não utilize o modo do limpador que pausa. Fique ouvindo seu vidro arranhar ou perca a visão do que está à sua volta por desligar ele. Ou, melhor ainda, desligue e ligue ele manualmente o tempo todo e veja o quanto as 2 horas de trânsito se tornarão mais divertidas.
Esse é um exemplo de uma inovação que nasceu sim de um engenheiro (como Norman afirma ser mais comum) , mas também se originou da observação de contextos e comportamentos humanos.

2) Inovações são inovações porque ajudam as pessoas a resolverem problemas complicados.
E se são assim, como criá-las apenas de dentro de um laboratório de engenharia? As habilidades de um engenheiro e até mesmo de cientistas, sem dúvida são necessárias no processo de criação de qualquer produto ou serviço que vise impactar de forma positiva como as pessoas vivem e trabalham. Mas não são suficientes e não terão sucesso sozinhas.
Para que você possa ajudar uma comunidade no interior da África a transportar melhor a água, por exemplo, ou se adaptar melhor as novas condições de zoneamento rural, você precisa investigar cultura, hábitos e costumes dessa comunidade. Uma solução que você criar de dentro de um laboratório, pode ser uma resposta técnica e precisa para os problemas dessa comunidade, mas cair em desuso por barreiras religiosas ou culturais.

Exemplo.
Em um vilarejo no interior de Angola as mulheres são as responsáveis por ir buscar água potável, mas culturalmente seus maridos não permitem que as mesmas dirijam veículos, incluindo bicicletas. Essas e outras limitações tornam a compreensão da cultura, comportamento, desejos e necessidades um fator chave para a solução do problema em questão. Invenção nenhuma, por mais tecnicamente avançada, que seja gerada de forma isolada em laboratório poderá responder com precisão à necessidades e desejos de comunidades com essas.

E para finalizar, concordo com D. Norman quando ele diz que inovações de ruptura são difíceis de se ver.Considerando ainda o contexto que ele apresenta, onde cita a TV, o Rádio e outros, serão nos próximos anos cada vez mais difíceis. Com o avanço da tecnologia estaremos vendo cada vez mais “re-arranjos” de elementos e encaixes contextuais, e menos caixas mágicas.

Ainda, em um ponto D. Norman está enganado. O Rádio só conseguiu passar de invenção para inovação quando um sujeito (na raça) decidiu fazer a primeira transmissão ao vivo de um evento esportivo. Até aquele momento, era apenas uma caixa gigante, falante, que custava caro e dava notícias não muito mais úteis do que as dezenas de jornais impressos disponíveis na época.

Contexto de uso? Humm… incremental?

Vai saber!

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Tennyson é diretor da live|work Brasil.
A live|work é pioneira e líder de mercado em Inovação & Design de Serviços com escritórios em Londres, Oslo e São Paulo atendendo a clientes como Sony, Fiat, Virgin, BBC e Experian.
+ info: http://www.liveworkbrazil.com

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