Minha atração pelo design começou na arte. Quanto mais lia a respeito dos dois, mais via autores se engalfinharem na discussão sobre se um era outro e o outro era um. Gostei do tema e gastei dúzias de conexões neuronais pensando sobre as diferenças entre ambos até formular uma explicação cartesiana (bem a minha cara) que me deixou satisfeita até ontem à noite, mais exatamente, até às 23h40.
Vejam se não era convincente: segundo minhas elucubrações, o design é filho da arte (pois alguns de seus pais na Bauhaus eram artistas, como o fantástico Paul Klee e o instigante Kandinsky), mas tem funções e personalidade próprias e distintas de quem lhe deu à luz.
Enquanto a arte é uma forma de expressão, que busca provocar reações, sentimentos e emoções (não necessariamente positivos) e tem conceitos estéticos amplamente elásticos (o belo na arte está longe de ser um consenso), o design é seu braço comercial, concebido unicamente com o intuito de vender, prover conforto, funcionalidade e boas sensações.
As obras de arte podem ser comercializadas, mas esse não é seu principal objetivo; ou será que alguém leva para casa aquelas instalações esquisitíssimas expostas nas bienais de arte contemporânea? Já o design, se ninguém comprar, é porque está mal feito. Pode-se considerar um fracasso.
Obras de arte não precisam ser entendidas; em algumas, justamente, a graça está no mistério (vide as especulações sobre o sorriso da Monalisa). Objetos de design que não possam ser entendidos são apenas mau design.
Obras de arte podem ser únicas (mas não necessariamente, como bem nos lembra Andy Warhol); já o design nasceu para ser produzido em escala industrial.
Obras de arte nem sempre provocam boas sensações; algumas são muito perturbadoras (lembro-me bem do nó que se formou no meu estômago quando estive frente a frente com “O grito” do Edward Münch). Se o design lhe provocar qualquer coisa diferente de prazer e satisfação, jogue fora. Não cumpriu seu objetivo.
Uma obra de arte não precisa ser racional – que o diga Jackson Pollock. No design, a emoção entra como ingrediente na fase de concepção, mas a razão está presente em todas as etapas do método projetual.
Um artista pode ser temperamental, difícil e até louco. Um designer precisa ser profissional em todas as suas atitudes.
Enfim, procurando bem, daria para gastar pixels e mais pixels enumerando as diferenças. Bem, isso até ontem à noite, quando estava tranqüilamente sorvendo as palavras de “Story: substância, estrutura, estilo e os princípios de roteiro”, de Robert McKee (sim, quero aprender a escrever!), quando deparei-me com essa pérola: “Na vida, experiências tornam-se significativas quando refletidas ao longo do tempo. Na arte, elas são significativas agora, no momento em que ocorrem”.
Puxa, mas se as experiências não forem significativas na hora em que você tem contato com um objeto, então o design não faz sentido! Nesse ponto, o design volta às suas origens e equipara-se à arte, desmontando toda a minha argumentação tão estruturadinha…
Antes de investir mais operações lógicas, discursivas e mentais nessa questão, dei-me conta de outra coisa. Mas para que tanto esmero na separação? Será que erigir muros entre a arte e o design deixando só janelinhas para os dois interagirem não implica em separar pais e filhos?
Penso que mais produtivo seria se ambos conseguissem preservar suas identidades, mas mantendo sempre o hábito de almoçarem juntos de vez em quando, como convém a pais e filhos tão ligados. Em vez de muros, mesas.
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br