Semiótica no Design

Este trabalho pretende fazer uma explanação da resultante da aplicação da semiótica ao design e de observar o design de um ponto de vista semiótico.

Design foi um dos campos profissionais em que houve um inicial e continuado, apesar de não generalizado, interesse em aplicação da semiótica. Na busca de construção de fundamentos teóricos em uma área da atividade caracterizada pela tênue conceituação disciplinar, designers adotaram a semiótica como base.

Isto aconteceu quando a Europa descobriu Charles Sanders Peirce. Segundo Nadin, isto se deu quando Max Bense, ao dar continuidade à sua busca para uma fundamentação científica para estética, chegou à teoria do signo (1970, 1971); e quando designers do Leste Europeu, enfrentando os constrangimentos típicos de um pensamento dogmático, abordaram os problemas dos códigos seus trabalhos futuros segundo uma nova perspectiva. Nos Estados Unidos e no Brasil, o interesse dos designers em semiótica foi manifestado mais tarde por influência de estudantes ou professores da Hochschule für Gestaltung, em Ulm, como Klaus Krippendorff e Tomás Maldonado, ou pela contaminação de outros campos, predominantemente dos estudos literários, como os poetas e críticos vanguardistas de São Paulo Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

Desde o começo de minha vida profissional eu aplico os princípios semióticos nos meus trabalhos de design. A certa altura da minha vida eu comecei a ensinar semiótica a designers, em cursos de graduação e pós-graduação, e a orientar aqueles que queriam aplicar semiótica em seus trabalhos.

Design é um campo profissional ainda pouco delimitado, sem método crítico (e sem crítica sistemática) e sem meios para construir um que lhe seja próprio. Pessoas que trabalham com tipografia, impressos, projetos de produtos, jóias, com têxteis, cerâmica, moda, arquitetura, começaram identificar elas mesmas como designers há mais ou menos um século. O design é um conceito geral, refletido na qualidade subjacente dos objetos, das ações e das representações que certas pessoas tornam possíveis em uma cultura dada e dentro de uma estrutura do valor. Fazer design significa entre outras coisas, projetar, antecipar de acordo com um curso antevisto dos acontecimentos tendo em vista um objetivo e em correlação com o ambiente.

No processo de transformação do design, podemos observar uma seqüência de mudanças de paradigmas, das teorias estéticas e morfológicas para a estrutural e, mais recentemente, as sígnicas.

Em uma perspectiva ampla, podemos verificar que as relações com entre arte, ciência e tecnologia definem o tipo de design. Podemos aplicar essa assertiva nas importantes correntes de design e representá-las por meio de diagramas, que mostra a dinâmica das mudanças. A partir dos diagramas propostos por Nadin, em cada um dos estágios caracterizados, uma condição semiótica é incorporada.

Observando os diagramas acima vemos que foram apontadas a forças de interação que foram privilegiadas em cada uma das fases. A partir daí constatamos a presença na atualidade de interrelações ocorridas nas fases apontadas. Há a combinação da abordagem sobretudo sintática do Jungenstil, com o inicial foco na Bauhaus nos aspectos semânticos, e a preocupação com as questões pragmáticas fortemente enfocadas por designers de Ulm, de acordo com a ideologia dominante na instituição. Hoje, em tempos de rápidas mudanças no contexto, de constante superação tecnológica, de surgimento veloz de novas preocupações, há a necessidade de uma consciência semiótica por parte dos designers, que se manifeste pelas qualidades comunicacionais dos produtos resultantes de seus projetos.

O design Jugenstil é muito ligado a uma tendência geral voltada para o simbolismo – uma característica que é revivida no design pós-moderno contemporâneo. A abordagem funcionalista envolve um melhor entendimento da natureza social do design. A semiótica do design da Bauhaus é parte da semiose social.

Atualmente, a participação do design aumentou na vida social e econômica, uma tendência que sem dúvida continuará havendo em vista a evidente necessidade de melhorar as relações interpessoais, a interação com a natureza e a exploração de novos domínios.

Ainda em um rápido retrospecto, que já apresentamos em outro trabalho (Niemeyer, 2003), constata-se que a busca de uma solução formal esteticamente agradável foi uma preocupação que acompanhou desde os seus primórdios as ações de aprimoramento do produto industrial. Adiante, nas primeiras décadas do século XX, o funcionalismo foi um princípio do design proposto por correntes de países centrais, especialmente a Alemanha. Segundo seus preceitos devia-se assumir a especificidade da linguagem formal própria à tecnologia industrial, tomá-la até como manifesto ideológico, ajustar a configuração formal do produto ao seu modo de funcionamento. Tais e outras características constituem atributos positivos e avanços na metodologia projetual e determinam elevação na qualidade da resultante do projeto de design. Após a II Guerra Mundial, com a consolidação da Ergonomia, um outro paradigma do design veio a somar ao funcionalismo – a adequação do produto ao usuário. Já nas últimas décadas do século passado, a importância da significação ganha crescente relevância no desenvolvimento de projeto de sistemas de uso e nos sistemas de informação.

Cabe, porém, considerar que o designer é mais do que projetar produtos. É sim resolver problemas. Assim sendo, alguns aspectos semióticos devem ser claramente explicitados para que se tenha uma compreensão do design que tratamos aqui. Além dos preceitos estéticos, funcionais e ergonômicos, o designer deve estar concernente com as questões de significação do produto.

Portanto, a nossa era de pluralismos sugere uma síntese de ciência, arte e tecnologia nos processos de design. De fato, designers hoje aplicam conhecimentos complexos, usam meios de expressão sofisticados e perseguem a inovação tecnológica, a funcionalidade e a alta qualidade estética, incitando o usuário a interagir com o design, “completá-lo” no processo de usá-lo (a pragmática do produto). O processo de design, por seu caráter interdisciplinar, requer um procedimento integrado de diversas áreas do conhecimento (tecnologia, estética, comunicação etc). Com esses considerandos, em design não basta algo ser formalmente agradável, ser funcional, prover uma boa interface. É mister também o produto[1] portar a mensagem adequada, “dizer” o que se pretende para quem interessa.

Como já sintetizou Pereira (2002), no design convergem os seguintes vetores:

– vetor econômico: a manutenção da produção e do consumo dos produtos, ele se inscreve no âmbito do meio material;

– vetor ecológico: a necessidade de preservação da natureza. Ele se inscreve no âmbito do meio natural;

– vetor social: a busca pela qualidade de vida individual e coletiva. Ele se inscreve no âmbito do meio sensorial, espacial e cultural.

Neste último vetor é o que constitui o espaço de intervenção semiótica. Como disse Nadin[2] (1990), “o processo do design, em sua íntima relação com o design de produtos e seus usos, implica em inteligência do design, sensibilidade cultural e uma atitude crítica – componentes semióticos de muitas outras formas da atividade humana.” Pois o produto é portador de expressões das instâncias elaboração e de produção: cultura e tecnologia. Quando ele entra em circulação além de portar essas expressões passa a ser também um elemento de comunicação, não só carrega informações objetivas mas também passando a ser suporte também de mensagens do usuário para si próprio e para outros. Ou seja, ele “diz” àquele que o usa, ao que o contempla, e também por meio dele os indivíduos se articulam. É a caso que se fala: “Diga-me o que usas que eu te direi quem és.” Assim, o produto, além das funções prática, estética e de uso, tem a função significativa. O produto difunde valores e características culturais no âmbito que alcança.

Assim sendo, os designers devem estar atentos à relação comunicativa estabelecida entre o produto e aqueles com quem ele interage: observadores, apreciadores, consumidores, usuários. Portanto, os princípios do design são semióticos por natureza. Para que tal função seja adequadamente cumprida, os designers dedem se apoiar na semiótica. Ela ilumina o processo como se dá a construção de um sistema de significação. A partir desse quadro teórico pode-se identificar as variáveis intervenientes nessa dinâmica. Desse modo o produto de design é tratado como portador de representações, participante de um processo de comunicação.

Fazer o design significa desenvolver um sistema de signos de tal modo que seja possível a consecução de metas humanas: comunicacional (como um modo de interação social), tecnológica, realização de tarefas, de solução de problemas, em suma. O resultado do projeto de design se dá em um ambiente de cultura e estabelece aponte entre a ciência e a prática humana. O objeto da semiótica é o sistema de signos e seu funcionamento dentro de uma cultura. É fica inequívoco o caráter semiótico do design.

Entretanto, para aplicar semiótica de modo consistente, deve-se estabelecer a linha teórica a seguir. Há três grandes ramos:

Semiótica russa ou semiótica da cultura em que o foco é a linguagem, a literatura e outros fenômenos culturais, como a comunicação não-verbal e visual, mito, religião. R. Jakobson, Hjelmslev, I. Lotman são autores fundamentais dessa construção teórica.

Semiótica estruturalista/Semiologia, com fundamentação na definição de signo construída pelo lingüista suiço Ferdinand de Saussure (1857-1913). Nela o signo é uma unidade resultante da articulação de significante (que provê a corporificação em elementos como palavras, formas) e o significado (o que o signo propõe significar). A significação em linguagem se dá, portanto, pela interseção do plano da expressão com o plano do conteúdo. Os processos de construção de sentido têm sido objeto de investigação e análise seguindo a abordagem saussuriana. As suas versões refinadas, devidas a contribuições da Escola Francesa, com especial destaque para o lituano Algirdas Julien Greimas e seus colaboradores e seguidores, têm se mostrado eficientes instrumentos de análise.

Semiótica peirceana, que se filia à tradição filosófica da teoria dos signos desde Charles Sanders Peirce, e em que a semiótica é entendida como lógica. Nela o signo “como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um Objeto e, de outro, assim determina uma idéia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino o Interpretante do signo, é, desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação triádica com seu Objeto e com seu Interpretante (8.343).” (Santaella, 2000, p.12).

O que diferencia um tipo de semiótica de outro é a concepção e a delimitação de seu campo de estudo. Assim, essa variedade foi sendo construída à medida que os estudos divergiam em seus pressupostos.

Então, o design sendo considerado como uma atividade projetual contemporânea de resolução de problemas, alguns aspectos semióticos devem ser explicitados na etapa projetual, como o tipo de representação, os tipos de interpretações possíveis/necessárias e a relação entre o projeto e produto final. Assim é possível a aplicação do processo semiótico por meio do qual os designs são criados (Niemeyer, 2007).

Para que o propósito específico de cada projeto seja satisfeito, é necessário que sejam consideradas as características dos contextos de ocorrência pretendidos. Se tais contextos não forem adequadamente apreciados o produto resultante pode portar elementos de comunicação q que levem a equívocos, erros, incompreensão, mesmo que a sua solução formal seja e tecnologicamente correta e esteticamente agradável. Considerado, então, como uma atividade profissional de semiótica aplicada, o design é o processo de elaboração e articulação de signos adequados aos contextos visados de interpretação e de uso do produto.

Para os designers aplicarem semiótica não significa projetar com tratados de semiótica debaixo do braço ou ao lado do teclado do computador, mas sim considerar as implicações semióticas do que quer que seja que eles projetem. Importa é a compreensão de que os designers devem conhecer para quem ele projeta – o usuário, o interpretador, não o seu contratante. Desse modo ele pode construir em seu design um sistema semiótico segundo regras precisas, consistentes e adequadas.

Bibliografia

NADIN, Mihai. Design and Semiotics. In :Semiotics in the Individual Sciences, v. II (W.A. Koch, org.). Bochum (Deutschland) : Brockmeyer, 1990. p. 418-436.

PEREIRA, Andréa Franco. A Sustentabilidade Ambiental e da Complexidade Sistêmica no Design Industrial de Produtos. In: Estudos em Design. Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 37-61. jan/jun 2002.

SANTAELLA, L. (2000). A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. 2 ed. São Paulo: Pioneira.

NIEMEYER, Lucy. Elementos de Semiótica Aplicados ao Design. 2 ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2007.


[1] Cabe fazer a ressalva que neste trabalho aplicamos o termo PRODUTO na acepção de resultado de um projeto de design, seja ele um objeto de uso, máquina, mobiliário, jóia, seja uma peça de comunicação visual, seja um material impresso, seja uma página na internet, uma embalagem.

[2] The design process, in its close relation to design products and their use, implies design intelligence, cultural sensitivity, and a critical attitude—semiotic components of many other forms of human activity. [Tradução livre da autora]

Lucy Niemeyer, Doutora em Comunicação e Semiótica
Universidade do Estado do Rio de Janeiro


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