All posts by Lígia Fascioni

Lígia Fascioni é engenheira eletricista, especialista em marketing, mestre em automação e controle industrial e doutora em engenharia de produção na área de gestão integrada do design. Publicou "Quem sua empresa pensa que é?" (2006), "O design do designer"(2007), "Atitude profissional: dicas para quem está começando" (2009) e "DNA Empresarial" (2010). Atua como consultora empresarial e palestrante. Ministra disciplinas em cursos de graduação e pós-graduação (MBA) em marketing, inovação e design. Mantém o site www.ligiafascioni.com.br e www.atitudepro.com.br. É colunista do portal Acontecendoaqui.com.br e colabora com diversos sites e blogs sobre marketing e design.

Feios, sujos e malvados

Araki Nobuyoshi

Uma coincidência me incomoda. Por quase toda parte que eu vou, converso, leio, é sempre a mesma ladainha: o cliente só quer saber de preço. O cliente não tem cultura. O cliente é um quadrúpede mal-intencionado. O cliente é um verme maligno.

 

Problema número um: a ignorância do malfadado cliente. É impressionante como um profissional (design, propaganda, marketing e mais uma carrada de outras áreas afins)  passa quatro ou cinco anos estudando numa faculdade, investindo tempo, livros, suor e pestanas para aprender conceitos como semiótica, comunicação integrada, marketing de relacionamento e outras coisinhas assim básicas, e saia de lá com a síndrome do Dr. Jekyll e Mr. Hide. Estranho? Ora, que outro nome você daria para esse comportamento tão paradoxal: Dr. Jekyll acha que aprendeu bastante, domina conhecimentos que pouca gente teve acesso, reuniu um cabedal de conhecimento impressionante. Um verdadeiro “doutor”, dramaticamente superior aos demais mortais. Seu lado Mr. Hide, porém, inconformado, não entende como é que as pessoas não compreendem conceitos tão simples. Só podem ser burras, ignorantes, mal intencionadas ou essas três coisas juntas. É tudo claro, óbvio! Muito fácil de entender a diferença entre você e aquele outro profissional que tem um portfólio bonito mas nem a metade da sua competência. O seu trabalho é integrado, o dele não. Qualquer anta cega pode ver!

 

Problema número 2: a malignidade do cliente. Como é que você, um profissional ético e respeitado, pode estar à mercê desse monte de mau-caráteres que andam aí pelo mercado? Eles só querem prejudicar você. Barganham o preço para depois esfolar aos poucos, devagar mas com firmeza. Você só quer fazer o seu trabalho direito e cobrar o preço justo. Se o cliente não fosse do mal, veria isso com clareza.

 

Problema número 3: a falta de paciência do cliente. Ele quer tudo para ontem, como se fosse o único ser do universo digno da sua atenção. Será que não é óbvio que você tem três trabalhos para entregar e que essa mudança não estava no contrato?

 

Problema identificado número 4: a falta de amor na relação. Puxa, você é um cara tão legal! Você quer tanto trabalhar com aquele cliente. Será que ele não nota os seus olhares sedutores (não aquele de galinha, mas o que promete amor eterno, pois você quer um compromisso sério)?

 

Pois é. Vamos parar por aqui porque já temos problemas demais. Se a gente consegue atacar esses aí, quem sabe não seja necessário economizar para comprar aquela passagem só de ida para Bangladesh.

 

Para a ignorância do cliente, o antídoto é simples. Você se deu conta de que, durante o tempo que você estava estudando para saber tudo isso, o cliente estava fazendo e aprendendo outras coisas? Que muitos dos termos que você usa ele não faz a menor idéia do que signifiquem? E que esse seu ar de doutor especialista não ajuda em nada ele superar a vergonha e perguntar? Pois é, compartilhar conhecimento devia ser lei. Básico, justo, indispensável. Mas, infelizmente, esquecível.

 

Para a maldade dele, muita calma na negociação. Será que ele tinha idéia do que estava comprando, com aquele monte de nomes esquisitos no contrato (se é que houve um)? Esse problema não poderia diminuir se as propostas, o contrato, a apresentação e a conversa, de uma maneira geral, tudo isso fosse mais didático? Pense em você contratando um encanador sem entender lhufas de encanamento. Dois caras, aparentemente iguaizinhos oferecem orçamentos diferentes. Você não tem como avaliar a competência deles por pura ignorância, não tem idéia dos equipamentos e do tempo que vai levar pois a explicação de ambos foi muito complicada. Vai dizer que não fica com o mais barato?

 

Para a pressa, pare e pense. Como é que você poderia contribuir para que o cliente pudesse planejar suas necessidades com uma antecedência viável? Será que você também não é desorganizado e sem planejamento? Ora, vamos lá. Seja sincero. Você tem pelo menos uma agenda de trabalho e um plano de ação atualizados? Sabe aquela história do roto e do remendado…

 

A última e mais importante: o amor da relação. Se você realmente quer conquistar o cliente, não bastam os galanteios. Lembre-se da receita básica: plantinha, regar todos os dias, fazer o outro feliz, surpresas, encantamento, blá, blá, blá…

 

Você está fazendo a sua parte?

  

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

 

Crise de identidade

Que tal acabar com o tédio na empresa e turbinar os negócios?

Se você topou o desafio, então nada melhor para celebrar o seu renascimento empresarial do que revolucionar completamente a sua marca gráfica, não acha? A atual é muito sem graça, foi o seu sobrinho quem fez quando ele ainda era muito novo, não dominava completamente o CorelDraw. Vamos tentar uma solução mais moderna, com mais recursos, mais afinada com as tendências.

Eis que você, empresário antenado, se põe a pesquisar na Internet e descobre que isso se chama “redesign da identidade corporativa”. Sofisticado, não é? Contratando uma coisa assim, os negócios só podem melhorar mesmo. Mas o que é mesmo essa tal de “identidade corporativa” que vai ser redesenhada?

Bom, primeiro vamos “desmontar” a expressão e ver o que cada uma das partes significa. Identidade, segundo o dicionário Aurélio, é um substantivo feminino que significa conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma pessoa.

Assim, a identidade de uma pessoa é o conjunto de características que torna essa pessoa especial e única. Pessoas diferentes podem ter várias características em comum, mas o que torna alguém original e exclusivo, sem igual no mundo, é justamente a maneira como essas características se combinam na sua formação. Já a palavra corporativa está associada à empresa, corporação.

Então, resumindo, a identidade corporativa é o conjunto de características que, combinadas, tornam uma empresa única, especial, inigualável.

Partindo desse pressuposto, o que torna uma empresa realmente especial é a sua essência, seus princípios, crenças, manias, defeitos, qualidades, aspirações, sonhos, limitações. O dom para as artes e o mau-humor matinal. O senso de humor sofisticado e vulgaridade fora de hora. Tudo conta.

Mas como fazer o “redesign” disso tudo? Como mudar a essência de uma empresa simplesmente refazendo a sua marca gráfica?

A resposta é: não dá.

A marca gráfica não é e nem faz parte da identidade corporativa.

Pense numa pessoa: ela tem um nome, um corpo e usa roupas. O corpo não é a pessoa. O nome não é a pessoa. As roupas não são a pessoa. Todos esses elementos são manifestações da sua identidade, mas não são a própria identidade. A pessoa pode manifestar essa identidade por vários outros meios excluindo o corpo, o nome e as roupas. Por exemplo, se ela escreve uma autobiografia sob um pseudônimo, uma parte dela está lá também, mas não é ela propriamente dita.

Se a pessoa (ou empresa) não se conhece bem, pode inclusive de manifestar de maneira a parecer o que não é (de propósito ou por engano). Mas isso não muda a sua identidade. Quando a pessoa muda de roupa, muda de nome ou muda de corpo (fazendo uma plástica ou engordando, por exemplo), ela não muda a sua essência, não deixa de ser ela mesma apenas porque as manifestações exteriores de sua identidade mudaram. Veja só os gêmeos: têm corpos iguais mas identidades completamente diferentes.

Uma empresa também é assim. Se ela tem uma postura conservadora para tomar decisões, não é mudando a marca gráfica que ela vai se tornar inovadora. A representação gráfica é só uma forma de comunicar quem ela é, e pode muito bem estar dizendo bobagens que nada têm a ver com a identidade.

A identidade corporativa é o que uma empresa é, na sua essência. A marca gráfica, o nome, o ambiente, o atendimento, a missão, a visão, os documentos, a propaganda, são apenas manifestações físicas da sua identidade, e, mesmo assim, nada garante que elas sejam fiéis à verdade.

Assim, antes de desenhar ou redesenhar uma marca gráfica, a empresa precisa se conhecer profundamente. E o designer deve tentar traduzir essa essência usando tudo aquilo que aprendeu e mais tudo aquilo que devia saber.

Por isso é que eu considero um dos maiores absurdos a prática corrente no mercado, onde o designer (e às vezes, nem isso) centraliza todo o seu trabalho na equivocada pergunta “qual é a imagem que o senhor quer passar na marca de sua empresa?” quando deveria começar o trabalho questionando “quem é a sua empresa?”

Desse jeito, nem me admira que tenha tanta gente boa por aí fazendo “redesign da identidade corporativa”…

O design dos esnobes

design esnobe

Lembra que o design nasceu em plena revolução industrial para possibilitar que mais pessoas tivessem acesso aos bens de consumo que antes eram restritos apenas a uma elite endinheirada? E que designers são sujeitos que colocam a cabeça para funcionar na busca de soluções que reduzam custos de produção e ao mesmo tempo encantem os usuários dos produtos? Pois é — o design é eminentemente um conceito que nasceu para traduzir o melhor da civilização: desde a escolha correta do material a ser usado (e como será descartado ou reutilizado), passando pelo aspecto emocional-simbólico-funcional, o ambiente, a embalagem, a marca, a informação e até o processo produtivo mais inteligente. O bom design é bom para todo mundo.

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Saber que não se sabe

Dia desses um amigo se surpreendeu com o fato de todas as minhas aulas estarem disponíveis no meu site, com transparências, bibliografia e tudo mais, para quem quisesse. Um professor também me perguntou se eu iria colocar o texto completo da minha tese na Internet (alertou-me de que alguém poderia copiá-lo). Resposta para as duas questões: tomara que me copiem mesmo! O mundo inteiro está na Internet, não há segredo que possa se gabar de estar em segurança. E isso não faz mesmo nenhum sentido. Para que esconder e guardar informações? Principalmente, se a gente considerar que o objetivo é divulgá-las e compartilhá-las com o máximo de pessoas possível.

Houve um tempo em que as pessoas acreditavam que seu talento e valor residiam no que só elas sabiam, naquilo que guardavam trancado a chave na gaveta do escritório. Tinham a ilusão de que a seção, o departamento, a empresa, o mundo, tudo pararia se ela se recusasse a abrir a gaveta. A garantia do seu emprego estava lá dentro, guardadinha.

Ainda bem que o mundo mudou (se bem que algumas poucas pessoas ainda não perceberam). Hoje as empresas não contratam mais quem não sabe trabalhar em equipe e tem o nefasto hábito de trancar gavetas. Na época pré-Internet, talvez até essa pudesse ser uma estratégia válida de sobrevivência, inclusive muito popular.

Hoje não há mais gavetas trancadas em nenhum lugar do mundo. Pelo menos não para sempre. E as pessoas têm que pensar em outra maneira de se fazerem importantes no seu ambiente de trabalho em particular e na vida de uma maneira geral. Segredos não estão mais seguros e podem ser devassados a qualquer momento. Então, o que fazer?

Primeiro: reconhecer que a gente não sabe quase nada do que há para saber. Mesmo que eu publique aqui tudo o que sei, ainda assim é muito pouco para me fazer de importante e garantir minha sobrevivência profissional em algum lugar. Tudo o que está aqui também está ao mesmo tempo em muitos outros lugares, talvez com uma roupinha diferente. Sabe por quê? Por que são só informações e a gente vive mergulhado nelas, praticamente afogados. Conhecimento não é mais diferencial de nada, está ao alcance de qualquer um que tenha oportunidade e persistência para achar o que quer.

Segundo: reconhecer que sozinho não se vai a lugar nenhum. Se o que a gente sabe é quase nada, então como fazer alguma coisa com isso? Ora, o óbvio. Juntar com o pouquinho que mais alguém sabe e voilá: pode ser que se crie algo realmente útil e até importante. Já que é impossível para um só dar conta de saber tudo o que é preciso para andar pra frente, só nos resta montar o quebra-cabeças. Assim, quanto mais gente inteligente e disposta a compartilhar informações a gente conhece, maior é a probabilidade de realizar um trabalho legal que faça diferença.

Terceiro: o importante não é tanto o saber fazer, mas saber o que fazer. Ou seja, não adianta falar línguas, ter diplomas, teses, cursos e outros enfeites curriculares, se você não souber o que quer fazer com tudo isso. Vejo gente que estudou um montão reclamando que não há emprego, que ganha mal, e que fulano de tal que tem apenas o segundo grau incompleto está ganhando rios de dinheiro. Ora, a inteligência e a competência independem de quanto cada um estudou. Tem mais a ver com a sua visão do mundo, com a capacidade de criar novas soluções para velhos problemas, identificar oportunidades, gostar de desafios, ir à luta. Se a pessoa não sabe o que quer fazer com tudo o que aprendeu, isso acaba virando um fardo, um peso para carregar. Assim, quanto mais se estuda e aprende, mais elementos se tem para criar e mudar, o que, sem dúvida, é uma vantagem — mas vale lembrar que pode ser mais útil um simples canivete para quem sabe usá-lo do que mísseis supersônicos para quem não tem idéia do seu alvo.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Currículo vazio

Inspirada pelo excelente post do Ed sobre portfólios, resolvi ressucitar uma coluna minha sobre currículos. Olha só.

 

Não raro eu tenho o prazer de conhecer designers promissores e, como talento é coisa que me toca e emociona, vou logo oferecendo a minha página na Internet para divulgá-los. São estudantes, ilustradores, designers recém-formados ou profissionais experientes que eu recomendo na seção “gente de talento” (vá lá: http://www.ligiafascioni.com.br/mais_gente.html). Preciso urgente atualizar essa seção, mas como estou redesenhando o meu site, ela ainda vai ficar um pouco de tempo como está.

  

“Gente de talento”  nasceu porque viviam me perguntando se conheço alguém competente para recomendar, já que faço tanta apologia do design. Confesso que dou preferência a quem está começando ou empresas locais. As agências poderosas e reconhecidamente excelentes são citadas lá na seção de links como referências.  

  

A lista ainda tem poucos nomes por três motivos principais: eu não conheço tanta gente assim; sou muito seletiva; e muita gente boa não tem site (nem ao menos um blog).

  

Este é um ponto que eu não consigo compreender: como é que um profissional de design não tem nenhum cantinho na Internet? Designers gráficos e de produto sabem quanto custa produzir um portfólio impressionável em papel – é bem salgado. Por que então dispensar essa alternativa poderosíssima e barata?

  

Vira e mexe converso com alguém que parece ter um potencial muito bom e, quando peço para ver o seu portfólio, ou mesmo que me dê um cartão de visitas, saio de mãos abanando, os anéis todos caindo. Como eu disse antes, papel custa caro (se bem que cartões de visitas caprichados são, literalmente, o “cartão de visitas” de um designer gráfico ? tipo da coisa que não se deve economizar). Mas e o site? Hospedar uma página em um servidor custa uns R$ 10,00/mês e mais R$ 30,00/ano pelo registro do endereço. Um investimento mais do que justificado!

  

As desculpas são das mais diversas variedades de tecido roto e maltrapilho: o talentoso ou talentosa ainda está preparando a página na web (que nunca fica pronta); não sabe programar websites; falta tempo; ou ainda é estudante, não tem mesmo muita coisa para mostrar.

  

Ok. Como “Jack, o estripador”, vamos por partes (nossa, essa é muito velha!):

  

Coisas que nunca ficam prontas. Isso me lembra aquelas pessoas que têm o projeto todo “na cabeça”, só falta escrever. Ora, então a pessoa não tem nada. Enquanto não tiver alguma coisa escrita, um trabalho começado, não se tem nada. É preciso que o promissor ou promissora estipulem metas e prazos que eles mesmos possam cumprir. É uma questão de estabelecer prioridades. A idéia é considerar-se a si mesmo como um cliente também. Sinceramente, aquela história de “casa de ferreiro, espeto de pau” não me convence.  Ou então, o ferreiro não é tão bom.

 

Não sabe construir um website. Não sabe, então aprenda! E rápido, que o mundo continua girando enquanto você pensa. Não precisa ser nada sofisticado. Todo bom designer sabe que mais importante que recursos tecnológicos pirotécnicos, o que faz diferença é o conceito. A preocupação com a usabilidade deve ser constante, mas nada que um HTML chinfrim não resolva, principalmente quando se é beato da religião “menos é mais”. Enquanto faz isso, trate de providenciar pelo menos um blog bem legal. Outra idéia é fazer uma parceria com alguém que entenda do ramo. Use a cabeça como quiser, mas garanta o seu lote no ciberespaço.

  

Não tem tempo. Olha, confesso que tenho um pouco de preconceito (está bem, é muito preconceito, bastante mesmo) contra livros de auto-ajuda, mas esses dias recebi uma mensagem pela Internet atribuída ao Roberto Shinyashik que cabe muito bem aqui. Ele diz que “o sucesso não é feito durante o expediente”. Também acho. Ou o sujeito investe suas horas vagas em alguma coisa, ou vai ser mais um a reclamar da vida em geral e do governo em particular. Calcule o tempo que você perde assistindo Big Brother, teclando no MSN, jogando MahJong, freqüentando comunidades sinistras no Orkut, e veja quanta coisa dá para inventar nessas horas. Ou você acha que as pessoas realmente inovadoras passam o domingo vendo o Faustão?

  

Sou estudante, não tenho muitos trabalhos feitos. Sinceramente, para mim, essa é a pior desculpa de todas. Uma verdadeira declaração de preguiça, descaso e desinteresse. Gente, a cidade, o bairro, a rua, o seu prédio, estão cheios de organizações sem fins lucrativos precisando desesperadamente de um designer, mas não têm como pagar. Escolas públicas, creches, associações comunitárias, asilos, centros acadêmicos, seu primo que tem uma oficina, sua tia que costura para fora! O que não falta é material para praticar. Por que você não aproveita para mostrar como o design pode colaborar para mudar o mundo? É só identificar o problema e propor uma solução original e criativa para resolvê-lo. Depois vá atrás de quem pode ajudar a colocá-la em prática. Isso sem falar nas centenas de concursos que podem muito bem vitaminar um currículo magrinho. É só querer e deixar de vadiagem. Sai daí e vai se mexer, cara! E depois vem falar comigo.

 

Lígia Fascioni | http://www.ligiafascioni.com.br

 

Detalhes tão pequenos…

 

No Brasil do jeitinho, pessoas que se preocupam com detalhes são consideradas neuróticas, exigentes, perfeccionistas, enfim, irritantes. E para não parecer chata, boa parte da população evita com todo cuidado a atenção nos detalhes: se o português for muito correto, pode parecer pedante; se o acabamento for primoroso, é porque o sujeito não tem mais o que fazer na vida; se cuida bem da roupa, só pode ser “mauricinho” ou “patricinha”.

 

 

Experimente, como eu, pedir para substituir o errado hífen “” entre expressões que separam idéias, pelo correto travessão “” em uma peça gráfica. A moral da senhora sua mãe vai virar alvo dos piores julgamentos e a sua saúde mental será levianamente questionada. Onde já se viu prestar tanta atenção em “tracinhos” que ninguém mais vê?

 

 

É impressionante como é comum pegar um cartão de visitas e ver aquele festival de hifens mal colocados. A desculpa mais comum é que isso não tem nada a ver com design gráfico. Ora, design gráfico é essencialmente uma ferramenta de comunicação, e para fazer isso direito, há que se respeitar as regras e convenções da língua. Para mim, um bom profissional deve buscar todas as informações necessárias para exercer bem o seu ofício, incluindo aí as coisas que ele não aprendeu na escola mas que deveria ter aprendido. Isso é cultura! É o que faz a diferença.

 

 

A relevância das informações é também freqüentemente ignorada. Ou que outra explicação haveria para alguém colocar as palavras óbvias como endereço e CEP em um espaço tão exíguo como um cartão de visitas? Ou será que o designer teme que alguém possa confundir o CEP com o número de celular?

 

 

Os erros de português, então, são um capítulo à parte. As pessoas erram, sabendo que estão errando, e ainda dizem que é bobagem se preocupar, afinal, todo mundo entendeu o que elas disseram. Penso que em qualquer área de atividade profissional um dicionário e uma gramática em cima da mesa de trabalho são ferramentas fundamentais. Afinal, a nossa língua é mesmo complicada, e a toda hora a gente tem dúvidas. Eu erro, todo mundo erra, é humano, mas por que não tentar reduzir esses eventos tão chatos? Dá o mesmo trabalho fazer uma coisa caprichada e outra malfeita, onde, no segundo caso, se perde mais tempo e dinheiro quando tem que fazer de novo.

 

 

Há quem se gabe por não se incomodar com detalhes afirmando que só se preocupa com o que é mais importante. Mas o que é mais importante? Se um engenheiro eletrônico achasse que os componentes menores não têm importância, se um oftalmologista acreditasse que 0,5 grau é só um detalhezinho mínimo, se um piloto de avião desprezasse os indicadores menores, se um contador passasse a arredondar todos os centavos para não dar trabalho, se um costureiro considerasse que 1 cm em uma roupa não faz diferença, se um físico pensasse que os átomos são pequenos demais para merecer que alguém se ocupe deles, onde é que a gente estaria? E por que somente designers gráficos deveriam se dar ao luxo de ignorar detalhes? Será coincidência que os líderes de mercado e os profissionais mais respeitados sejam justamente aqueles que primam pela qualidade em todos os aspectos, inclusive naqueles que os concorrentes desprezam?

 

 

Alinhamentos precisos, espaçamentos estudados, cuidado na revisão, símbolos usados corretamente, nomes de arquivos coerentes e organizados em pastas com nomes elucidativos, documentação atualizada, backups periódicos, apresentação cuidadosa, respeito pelo tempo e dinheiro alheios, boa educação para tratar as pessoas — detalhes que, certamente, não tornam ninguém um neurótico obsessivo — mas contribuem para uma atuação profissional muito melhor. Mesmo para quebrar as regras é preciso atenção ao detalhe.

 

 

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Em tempo: O hífen serve para unir palavras e números. Já o travessão, que tem o comprimento aproximado de dois hífens colados, serve para fazer justamente o contrário — separar e enfatizar conceitos e idéias. Ah, o número do CEP vem sempre antes do nome da cidade. Quer saber mais? Consulte o Manual de Redação da Presidência da República em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/manual

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

A pregnância da forma na web

 

Pregnância

Estava concentrada na função de espremer meus pobres neurônios contra a caixa craniana em busca de algum assunto que pudesse servir de tema para a minha coluna semanal, quando uma mensagem veio me salvar. Um jornalista queria me entrevistar por e-mail sobre a questão da pregnância da forma no webdesign.

Bem, como meu currículo é de domínio público e tenho certeza de que nada nele leva a crer que eu seja especialista em webdesign, creio que o moço deva ter tido algum bom motivo para pedir a minha leiga opinião, uma vez que a Internet está cheia de gente mais qualificada para falar sobre o assunto (desconfio que essas pessoas mais qualificadas não tenham o hábito de responder e-mails; é claro que isso é só especulação, mas não consigo encontrar outra explicação). A julgar pelo teor das perguntas, o jornalista certamente fez muito bem a lição de casa. Penei e tive que pesquisar muito para não passar vergonha. Com a pregnância eu já tinha até certa intimidade, mas a aplicação na web é que foi o calo. Vou compartilhar aqui o que aprendi graças ao meu bom hábito de responder todos os e-mails que me chegam.

A pregnância é uma velha conhecida no design. A idéia básica partiu dos filósofos Imanuel Kant, Wolfgang von Goethe e Ernst Mach, que diziam que a percepção era um ato unitário. Eles queriam dizer queas pessoas não percebem as coisas aos pedaços; elas organizam as informações de maneira a dar um sentido ao conjunto. No início do século passado, psicólogos conterrâneos desses senhores investiram na idéia e criaram a psicologia da Gestalt. Essa palavra alemã significa justamente “a integração das partes em oposição à soma do todo”. Sabe aquela história de que um mais um é sempre mais que dois? Pois é, vai por aí… a metáfora mais conhecida é aquela que diz que se cada uma das doze notas de uma melodia fosse ouvida por uma pessoa diferente, a soma das experiências dessa turma não corresponderia à de uma pessoa que ouvisse a melodia toda. E não é que é mesmo?

E para que serve esse papo todo? Bem, a teoria da Gestalt busca descobrir por que algumas formas agradam mais às pessoas do que outras. Para tanto, determinou-se oito leis que regem a percepção visual: a unidade, a segregação, a unificação, o fechamento, a continuidade, a proximidade, a semelhança e, voilá, apregnância da forma (pensou que eu tinha esquecido?).

Pregnância (do alemão Prägnanzé a capacidade de perceber e reconhecer formas. Se a forma é complicada, cheia de voltinhas e detalhes, e ainda estiver no meio de uma composição cheia de elementos gráficos e imagens, vai ser muito difícil de percebê-la e identificá-la. Estamos diante, então, de uma peça com baixa pregnância.

Porém, se a forma for simples, clara, e ainda por cima, situada sobre um fundo branco, sem disputar a atenção com ninguém, então temos uma peça gráfica de alta pregnância. Bom, você já percebeu que a pregnância pode ser da forma em si ou do contexto no qual ela está inserida.

Marcas gráficas sempre devem ter alta pregnância nas suas formas essenciais, pois um de seus objetivos é serem percebidas seja qual for o contexto. Se a marca for um brasão cheio de detalhes, vai ser muito difícil diferenciá-la de outros elementos gráficos num mundo tão cheio de informações como o nosso. Em marcas, alta pregnância é um dos requisitos fundamentais, sinal de bom design.

Já na web, é importante que as páginas tenham um design que favoreça a alta pregnância, pois isso favorece a usabilidade, que é a facilidade com que o usuário consegue encontrar o que está procurando. Nos ícones, esse fator é ainda mais crítico. Se o desenho no botão for complicado, ele não será compreendido e não cumprirá a sua função.

Mas é claro que nem tudo é tão simples, né, mané? Senão, fazer sites seria mamão-com-açúcar. O problema é que no design (e no webdesign também), tão importante quanto a função, é o significado. Tem usuário que se sente mais confortável, integrado e estimulado em um ambiente visualmente poluído e cheio de informações competindo pela sua atenção. Do ponto de vista ortodoxo, mau design. Do ponto de vista contemporâneo, design adequado.

E durma-se com uma pregnância dessas.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

 

O brilho excessivo da tecnologia

 

O brilho excessivo da tecnologia

O juramento que os engenheiros fazem no dia da sua formatura fala em “não se deixar cegar pelo brilho excessivo da tecnologia”. Na época em que fiz o juramento, nem sabia que a tecnologia tinha brilho, quanto mais excessivo, inclusive com condições de cegar alguém. Passados 18 anos, tudo fica claro quando navego pela Internet. Tem muita gente cega pelo tal brilho, e nem engenheira é. Talvez seja por isso mesmo, a pessoa não teve que jurar coisa alguma e se sente livre para abusar.

 

Pelo menos, é a única explicação que eu encontro para uma loja de móveis que exige que eu preencha um cadastro para ter acesso ao seu catálogo completo. Gente, o que é isso? Onde é que nós estamos? O que é que essa gente entende por marketing? O interesse que o cliente tenha acesso ao portfólio é da loja, portanto, pela lógica, ela deveria, se não provocar sedutoramente o encontro, pelo menos facilitar ao máximo o contato.

 

Se a loja precisa (ou quer) ter informações dos potenciais clientes ou interessados, problema dela. Que ponha seus geniais executivos a pensar e invente uma maneira de convencer o internauta de que ele vai ser beneficiado com a alugação que é preencher um cadastro. E nem precisa nada de original ou criativo, basta oferecer um brinde ou propor um sorteio. O que não pode é colocar um gorila desses na porta da loja, que só deixa você ver a vitrine. Para entrar no recinto, só preenchendo o tal cadastro.

 

Tem também aqueles sites que exigem que você mude a resolução do seu computador para visualizá-lo melhor (não é o máximo da presunção?), que instale um plug-in que você não está interessado ou permita que cookies metidos fiquem xeretando a sua máquina. Tudo isso para você apenas descobrir o telefone da loja.

 

Coerência e profissionalismo para quê? Não é incomum o e-mail de contato para a loja ser [email protected] ou [email protected], sem contar as versões [email protected]. Se eles têm um domínio, por que não o usam para todas as comunicações profissionais da empresa?

 

 

Outro lembrete: o mundo não se resume a Windows. Uso um Mac e tenho muitas dificuldades quando, vira e mexe, vou fazer a reserva em um hotel e depois de me irritar preenchendo o tal cadastro, a coisa simplesmente trava porque não é compatível com o meu navegador. Ligo para lá reclamando e a mocinha diz que eles testaram e não acharam nada, o problema deve ser meu mesmo, é claro. Uma me sugeriu candidamente que eu trocasse de computador. É mole?

 

Isso sem contar que os tais sites, como está se tornando moda, geralmente são construídos em Flash*. Sim, admito um certo preconceito, mas ODEIO sites em Flash (se eu tivesse paciência e tempo sobrando, criaria uma comunidade no Orkut com esse fim). Quando vejo aquele símbolo que diz que você vai esperar eternos segundos cada vez que ousar clicar em um opção, já desisto.

 

Nada contra a ferramenta, que é muito poderosa e permite animação e interatividade como nenhuma outra. Todas aquelas micagens que você sempre sonhou, mas que na prática não servem para muita coisa, estão lá, à sua disposição. Com Flash, o impossível não existe. Isso significa que você pode ter uma espetaculosa e criativa página de abertura sem nenhuma informação útil, mas que mostra como você é inovador, talentoso e irritante!

 

Os sites criados em Flash são lindos, fofos, originais, mas é só. A maioria é como loiras burras. Muito engraçadinhos, mas você pena para obter as informações que precisa. Quando vejo um site assim lembro logo de uma frase que ouvi uma vez de um sábio pedreiro (que não entendia nada de programação): “moça, para quem só tem martelo, tudo é prego!”. Ou seja: se uma cara faz um curso de Flash, quer usar essa ferramenta em todos os lugares e usar todas as suas potencialidades. E dá no que a gente vê.

 

A culpa não é da ferramenta, o poder cega mesmo. É preciso um webdesigner muito racional e comedido para resistir às tentações e realmente projetar um site pensando nos interesses do usuário. E com muito talento persuasivo para convencer o cliente de que os visitantes podem não achar legal que os botões fiquem pulando e trocando de lugar o tempo todo, apesar disso ser possível de se fazer, sim. Que ter login e senha é muito chique, mas as pessoas não querem ter que decorar mais uma combinação por motivo tão fútil e irrelevante. Que ninguém gosta de preencher cadastros, a não ser que ganhe alguma coisa com isso (alguma coisa de verdade, não apenas o “direito” de entrar na loja). Que ninguém tem tempo de ficar esperando uma tela ser lentamente construída na sua frente para depois descobrir que aquilo não tinha funcionalidade nenhuma, foi só tempo desperdiçado mesmo. Que usabilidade é a coisa mais importante na web! Que beleza fútil enjoa.

 

Fica aqui uma sugestão para o juramento dos designers (e dos administradores, publicitários, jornalistas e mais tantos outros profissionais). Incluam, por favor, a tal cláusula sobre o brilho da tecnologia. Pode até não resolver, mas penso que mal não faz…

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Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

 

* Adobe Flash, antigo Macromedia Flash e mais antigamente ainda, FutureSplash.

 

Semi o quê?

Escrevi esse artigo há um tempo e agora resolvi dar a cara a tapa (que ousadia, escrever sobre semiótica depois da aula irretocável que a Lucy Niemayer acabou de dar?). O risco é grande, pois ficará evidenciado o quão meus conhecimentos sobre o assunto são parcos e mínimos. Como não sou masoquista, isso tem uma explicação: a idéia é enfatizar, de um jeito descontraído, o quanto a gente deve ler com toda calma e atenção tudo o que essa extraordinária mulher escreve.

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Objetos de desejo

Você já pensou em como o design influencia a sua vida e as suas decisões? E não estou falando na praticidade do dia-a-dia, na questão estética, na poluição ambiental ou no desenvolvimento de novos produtos. Refiro-me a questões mais íntimas, de ordem sentimental e difíceis de explicar. O design traduz o que as pessoas sentem, pensam e querem, ou ele, em si, provoca esses sentimentos, desejos e pensamentos?

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Sobre muros, arte e design

Muro

Minha atração pelo design começou na arte. Quanto mais lia a respeito dos dois, mais via autores se engalfinharem na discussão sobre se um era outro e o outro era um. Gostei do tema e gastei dúzias de conexões neuronais pensando sobre as diferenças entre ambos até formular uma explicação cartesiana (bem a minha cara) que me deixou satisfeita até ontem à noite, mais exatamente, até às 23h40.

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Design cortês

ffffound.com

O mundo está cada vez mais lotado de gente. Falta água, comida, educação, cultura e justiça para a maior parte dos viventes, e se as pessoas continuarem a se reproduzir com essa desenvoltura, a tendência é só piorar. Mas penso que, a despeito dessas mazelas todas, as coisas que mais fazem falta mesmo são a gentileza, a delicadeza e a sensibilidade.

Imagino que esses traços de civilidade podem ser incutidos na formação, mas algumas almas os assimilam com mais naturalidade do que outras. Pessoalmente, invejo e admiro aquelas pessoas que nunca se envolvem em “barracos”, que têm total domínio sobre o volume da sua voz, que usam com freqüência as palavrinhas mágicas (por favor, obrigado, desculpe, com licença), que genuinamente se preocupam com o bem-estar de quem está junto e não diferenciam o tratamento de acordo com a faixa de renda ou cultura do interlocutor.

Lembro-me de uma vez em que participei de um seminário na Inglaterra, quando o Chairman e sua esposa, ao me desejarem um bom dia, perguntaram-me se eu havia dormido bem. De quantos eventos você já participou onde alguém da organização olha nos seus olhos e pergunta como passou a noite? Ou melhor, qual foi a última pessoa com quem você conversou que lhe fez essa pergunta?

Pode-se dizer que essas cortesias vêm da cultura, e os ingleses são famosos pela polidez. Mas já presenciei uma senhora bastante humilde dar lugar no ônibus a uma grávida em estado adiantado quando viu que todos os jovens presentes passaram a interessar-se obsessivamente pela paisagem ou iniciaram uma meditação profunda de olhos fechados. Outras sutilezas, como abrir a porta do passageiro antes da do motorista ao dar carona para alguém (independente do sexo), permanecer atento quando uma pessoa está revelando algo pessoal (e depois não comentar com outros), sempre responder a e-mails, cumprir as promessas feitas, ser pontual, levar flores quando você vai jantar na casa de um amigo, deixar a passagem livre em lugares de tráfego (de pessoas ou carros), elogiar com sinceridade alguém que está merecendo, preocupar-se com o conforto de quem trabalha com (ou para) você.

De tudo isso, pode-se concluir que a arte da gentileza se resume em fazer o possível para tornar a vida do outro mais fácil, agradável e confortável em detrimento do seu próprio umbigo. Às vezes, isso dá algum trabalho, mas a maioria do gestos não configura nenhum sacrifício, ainda mais se “o outro” em questão também for adepto da prática. E o que é que o design tem a ver com esse papo?

O bom design leva em consideração o conforto, o bem-estar, a facilidade de uso, a sensibilidade e as limitações do usuário. O bom design é tão nobre e atencioso que até com a natureza ele se preocupa, já que todo projeto deve levar também em consideração o ciclo de vida e o descarte do produto.

Na prestação de serviços, o design entra nas interfaces de comunicação com as pessoas, tornando o entendimento claro e economizando o precioso tempo do cliente. A diagramação e estrutura dos documentos e manuais, a ambientação dos locais, a organização das informações, tudo deve colaborar para tornar a vida das pessoas mais fácil. Se o foco é o bem-estar do usuário, o design é uma contribuição não apenas luxuosa, mas necessária.

Mas conforto e atenção são apenas o básico – em uma era onde o consumidor deve usufruir de experiências sensoriais gratificantes quando em contato com a marca, só mesmo o bom design pode ajudar.

Quem me conhece sabe que estou muito longe ainda de ser uma dama, mas o bom design é um gentleman desde o berço….

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Sobre designers e micreiros

Vira e mexe, nas minhas palestras, alguém fatalmente acaba me perguntando como resolver o problema da concorrência desleal entre designers e micreiros. Os designers estudam, pesquisam, fazem tudo direitinho, mas acabam perdendo a vez para aquele pessoal que faz qualquer coisa por um preço bem baratinho. E o cliente, esse ser desprovido de qualquer juízo e bom senso, ignora toda a competência do dr. designer para contratar um mané qualquer que sabe mexer no Corel. Como resolver esse nó?

Bem, vamos tentar entender porque isso acontece. Partindo do princípio que o cliente não é totalmente burro e nem tem uma predileção especial por trabalhar com gente incompetente, eu diria que ele contrata o micreiro simplesmente porque não consegue perceber a diferença entre esse sujeito e um designer de verdade. Então, como de bobo o cliente não tem nada, ele faz como eu, você e toda a torcida do Flamengo numa situação dessas: contrata o mais barato.

Além disso, o micreiro tem outra vantagem: ele faz exatamente o que o cliente quer. Se o dono da padaria quiser uma marca gráfica toda cheia de degradês e efeitos especiais, o mané capricha e coloca em prática tudo o que sabe de Photoshop. Se o sócio do restaurante quer usar os desenhos da filha de 5 anos como marca d´água no folder do estabelecimento, não tem problema. Para o micreiro não tem crise, ele faz tudo na maior boa vontade (e por um preço bem baratinho, não se esqueça). O cara é tão boa gente, como competir com um tipo desses?

Boa parte dos designers resume sua pró-atividade fazendo cara de nojo e colocando a culpa no ignorante do cliente. Aha, eis a palavrinha-chave: ignorância. Sim, concordamos que o cliente merece esse adjetivo, mas ignorância não é crime. Ninguém tem obrigação de conhecer semiótica, teoria das cores, técnicas de composição, leis da Gestalt e o impacto disso tudo no trabalho que está sendo feito. Só o designer, é claro. E aí é que ele se diferencia do micreiro. O designer pode (e deve) explicar para o cliente, da maneira mais didática possível, porque é que usar 4 tipos diferentes de fontes tipográficas em um cartão de visitas pode não ser uma boa idéia. E tudo isso usando os termos certos, sem petulância e ar de enfado. O designer deve explicar também a interpretação semiótica de todos os elementos que ele colocou no projeto gráfico, justificando o porquê de cada coisa estar ali. Deve considerar que o cliente tem um olhar diferente do seu, e às vezes é possível combinar esses olhares numa solução interessante sem ofender seu senso estético. Deve saber defender muito bem o conceito de uma marca sem se sentir pessoalmente ofendido com perguntas ou questionamentos. Se o palpite do cliente é furado, explique para ele, sem esbravejar, o impacto que aquilo terá sobre a percepção do consumidor e como pode prejudicar o seu negócio. Enfim, o designer, além de saber muito e se comunicar bem, deve ser um grande negociador.

Ao documentar as reuniões, escrever um briefing bem feito, cumprir os prazos, primar pela pontualidade e pela qualidade nas apresentações, sempre entregar o que prometeu e explicar detalhadamente cada parte do seu trabalho, o designer estará com certeza se diferenciando do micreiro. Qualquer um da tocida do Flamengo consegue ver a diferença. O designer cobra mais porque sabe o que está fazendo, seu trabalho vai fazer diferença no negócio. Ele faz por merecer cada centavo.

Mas está cheio de designer com diploma que acerta tudo de boca, não explica seu trabalho direito, mal sabe contextualizar o que fez, não entende nada de teoria das cores e muito menos de semiótica, atrasa todas as entregas e senta com a perna aberta mascando chicletes falando “tipo” a cada três palavras. Comporta-se como um artista temperamental, tudo o que faz é na base da intuição. Método projetual ele desconhece, fez assim porque achava que ficaria legal. Esse sujeito fica ofendidíssimo ao ser confundido com um micreiro. Talvez o figura não saiba, mas ele realmente é um micreiro.

E tem micreiro (são poucos, é verdade) que anota tudo direitinho, faz contrato, estuda as opções, é pontual, tenta resolver as necessidades do cliente, lê vários livros sobre o assunto, sabe conceituar o que fez, cumpre sempre o que prometeu. Esse profissional acha que é um designer, e é mesmo.

Mais do que a formação acadêmica, a diferença entre o designer e o micreiro está na atitude profissional.

Além disso, não se pode ignorar a diversidade do mercado. Há clientes para micreiros e há clientes para designers. Tem lugar para todo mundo, sem crise. Já dizia um amigo meu que os competentes se reconhecem mutuamente. Eu concordo.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

O design da bagunça

Regine Rack

Regine Rack

Estou escrevendo alguns artigos para um congresso e resolvi estudar os currículos dos cursos de design oferecidos no país, incluindo suas diversas habilitações. Não é difícil; exceto por algumas poucas faculdades, todos divulgam em seus sites a estrutura curricular (nota: no meio da navegação, achei por acaso uma escola de administração que esconde a grade de disciplinas com medo de ser copiada. Surreal? Inacreditável? E a escola é daqui de Florianópolis…).

Ainda que as habilitações sejam diversas (moda, produto, gráfico, webdesign, editorial, mobiliário, mídias eletrônicas, jóias, etc), fiquei pasma com a diversidade de currículos. Não há nem mesmo uma grade básica de conhecimentos que todos precisem aprender. Para se ter uma idéia, menos de 30% dos 235 cursos de graduação em design oferecidos no Brasil contam com a disciplina gestão do design. Em cursos de design de produto, por exemplo, não encontrei dois com mais de 50% de disciplinas comuns a ambos (excetos os oferecidos pela mesma rede de faculdades).

Isso me leva a lamentar um fato que acabei sabendo no decorrer da pesquisa: uma faculdade de design instalada em Joinville teve recentemente suas portas fechadas (só descobri perguntando para um amigo que mora e trabalha lá, pois o site simplesmente saiu do ar sem dar maiores satisfações). Pois ele me contou que os alunos pêgos de surpresa no penúltimo semestre, ao tentarem concluir o curso em outra faculdade, tiveram uma notícia desagradável: descobriram que teriam que cursar mais três anos para alinhar as disciplinas. Não é revoltante? Como é os currículos podem ser tão diversos em um mesmo curso, na mesma habilitação, na mesma cidade?

Imagino que algum tipo de variação aconteça na maioria das graduações e com dentistas e advogados não seja diferente. Ainda que engenheiros possam sofrer com mudanças de currículos, todas as habilitações, sem exceção, precisam estudar cálculo integral e física, por exemplo, além de álgebra e mecânica dos fluidos. É básico. Por que é que nos cursos de design não acontece assim também?

Dá impressão que cada faculdade escolhe o que gosta mais ou o que acha mais interessante e manda ver. Se o curso explodir, paciência, os alunos que paguem. É claro que não deve ser assim, tenho certeza de que há um trabalho sério que fundamenta cada escolha, senão o MEC não iria aprovar, mas talvez as diretivas sejam excessivamente genéricas. Também não dá para dizer que um curso seja melhor que outro apenas olhando as disciplinas – há muita gente séria tentando fazer o melhor que pode. Mas como conviver com tantas e tão gritantes diferenças em formações que deveriam ter muito mais pontos em comum?

O preocupante é que você não sabe se o designer que está contratando conhece gestalt ou semiótica, já que nem todos os currículos incluem esses tópicos. Há cursos onde não se estuda nem mesmo teoria das cores. Que fique bem claro que não estou defendendo que os currículos sejam engessados; há que se respeitar as necessidades e a realidade de cada região, de cada mercado, da intenção e dos objetivos de cada projeto pedagógico. Mesmo assim, não faz sentido que duas habilitações com o mesmo nome, ambas autorizadas pelo MEC, tenham mais de seis semestres de disciplinas diferentes em seus currículos, concorda?

Eis aí uma boa questão para os profissionais de design se debruçarem. Como regulamentar uma profissão tão heterogênea na formação de seus profissionais? Como organizar essa bagunça sem nivelar por baixo e nem prejudicar os estudantes?

A questão está lançada…