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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial - projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em história política brasileira, Monty Python, Frank Zappa, cervejas artesanais e voadoras, não necessariamente nesta ordem.

Mercado de peixes

Quem estava, viu.

De 18 a 21 de abril aconteceu o 5º R Design RJ/ES em Campos dos Goytacazes. Polêmico (a começar pelo debate sobre o suposto plágio da marca) e isolado (o único evento do tipo que também acontece todos os anos no primeiro semestre é a ExpoCone Design Norte-Nordeste), o R caiu nas graças do autor que vos fala por tratar de um tema que tem virado tabu nos últimos tempos: o mercado de trabalho e o lucro. Sempre foi costume brasileiro ter vergonha do lucro, e não é segredo pra ninguém que estude organizações que esta atitude é uma das causas de um certo “travamento” no desenvolvimento da indústria nacional. Como as pessoas admiram quem tem ideais, e ganhar dinheiro não é exatamente um ideal muito romântico, empresas passaram a mascarar suas naturezas por trás de atividades sociais ou culturais. Mas todo mundo tem que botar comida na mesa, e o designer não é exceção. Assim, em tempos de discussões pra todo lado sobre o papel do designer em relação à sustentabilidade, atividades sociais e o engajamento idealístico, o tema do evento – “venda seu peixe” – foi mais que pertinente: foi uma lufada de ar não-viciado direto pros pulmões.

As opções profissionais dos designers (com exceção de moda) de uma maneira geral não costumam variar, e giram ao redor das seguintes opções:

– Criar carreira em um escritório de prestação de serviços em design (agência de publicidade, empresa de design, escritório de arquitetura, etc);

– Criar carreira em um departamento de design dentro de uma empresa, para atender demanda interna (editoras como Abril, indústrias como Wolkswagen e Electrolux);

– Ser 100% autônomo (trabalhar sozinho, sem dividir tarefas nem dividendos com ninguém – aqui se inclui quem monta Empresa Individual);

– Montar uma empresa de design (com 1 ou mais sócios).

Cada caso possui suas particularidades, que variam de acordo com a área de atuação. Um ilustrador, por exemplo, quase com certeza trabalhará como autônomo, prestando serviços para editoras, agências e quem mais tiver interesse, sempre como terceirizado. Isto é necessário porque, na ilustração, pode-se passar um mês se trabalho nenhum, seguido de um mês com jornadas diárias de 15 horas, sem fins de semana, apenas para atender a demanda. Além disso, não importa se o ilustrador está na cidade do contratante ou em Kuala Lumpur – o que importa é que mande o serviço no prazo (abençoada internet!).

O mesmo não vale para quem deseja trabalhar com mobiliário, atendendo micro e pequenas indústrias. Neste caso, como a maior parte das empresas é familiar, com cultura mais conservadora, é fundamental o contato direto do designer com a própria – e, provavelmente, todas as negociações serão feitas diretamente com o proprietário da empresa (e sua esposa, seu sobrinho, seu irmão…). Se o designer não souber “vender seu peixe” nesse caso, é como diriam meus colegas gaúchos: um abraço pro gaiteiro. Se educá-lo para o design dá trabalho, pelo menos a recompensa vem em dobro: as MPEs (micro e pequenas empresas) são as que menos utilizam o design, mas ao mesmo tempo, correspondem juntas a uma parte assombrosa do PIB brasileiro. Um tremendo nicho de mercado, portanto.

Quem esteve no R pode ver depoimento de quem trabalha com todas as pontas desse prisma, e os contrastes que a perspectiva de cada um traz ao tema. Posso soar um tanto suspeito – afinal, a palestra de abertura foi minha – mas é difícil encontrar um mix tão bom de palestrantes. Ou o cidadão carece em didática, ou superestima o próprio material, ou se perde em pirotecnias visuais, “engrupindo” quem está assistindo, que sai feliz mas sem aprender nada. Ponto pra Corde, a comissão organizadora do R Design.

E ponto para a delegação Poliana, por mais um fabuloso campeonato de Sacovelocidade nos corredores do alojamento (na busca por fotos significativas do evento, não resisti e selecionei esta. A felicidade nos rostos das jovens me traz alegria ao coração!).

sacovelocidade!
sacovelocidade!

ArghDesign (de passagem): Crise de Identidade

Estou pra ver espécie com mais crise de identidade que designers. Em Curitiba existia (ou ainda existe?) uma lanchonete chamada Engenheiro dos Sanduíches. Eu simplesmente não consigo imaginar um grupo de engenheiros em um congresso debatendo a prostituição do nome da profissão usando esse estabelecimento como judas (até porque os sanduíches deles de fato eram bonzões). Mas basta uma loja qualquer adicionar “design” no nome e já tem xiita berrando aos quatro ventos sobre as injustiças da nossa profissão, a ignorância do nosso povo e por aí vai (não raro culpando a – coitada, sempre ela – falta de regulamentação). Como bom sádico que sou, não pude deixar passar a oportunidade de contribuir com mais um termo “prostituído” (o “Beer Designers” do artigo anterior).

É claro que já me irritei (e muito) com o inúmeros “designers alternativos” que existem por aí – mas depois de um tempo passei a simplesmente achar divertido (pensamento dividido por um certo grupo de hoje ex-estudantes da UFSC). Por isso mesmo estou começando uma coleção de fotos bizarras de estabelecimentos “designers”. Se já viu algum estabelecimento ou profissional “designer” em alguma rua, volte lá, tire uma foto e me mande! Vale tudo, incluindo os clássicos “hair designers” e “cake designers” – em fachadas, banners, outdoors, folders e sinalizações em geral. Só não esqueça de indicar o local onde a foto foi tirada. Todas as fotos serão publicadas aqui, com os devidos créditos, é claro! Nada impede também um certo “retoque” da foto com poses bizarras na frente da fachada/ letreiro (ou até um flash mob, se você tiver o sadismo para tanto).

Aqui vão alguns (lindos) exemplos, ambos internacionais (sim! ou acham que só o brasileiro tem direito à autocrítica?):

Clicando nas fotos há os comentários originais dos fotógrafos. Vale a pena ler…

Contribuam!

olha o e-mail: [email protected]

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em mudar as coisas nas quais é viciado praticamente toda semana. Não necessariamente nesta ordem.

Arghdesign #6: Amo muito tudo isso

“(…) Veja o caso do Chile. O Chile é uma país que entendeu o valor de sua marca. Há uma década atrás, quem no mundo tinha ouvido falar de vinho chileno bom? O café brasileiro, por sua vez, é reconhecido lá fora – mas o produto bruto, e não as marcas brasileiras. As empresas brasileiras precisam também saber valorizar suas marcas. As empresas brasileiras precisam de design!”

A frase acima não corresponde a nada de novo para nós. Já lemos, discutimos e escrevemos sobre isso há anos. Tem gente que não entende a “mania anti-design” que eu manifesto em minhas relações sociais, mas a razão está bem aí: chega um ponto onde você está tão saturado do assunto que precisa de várias – e não só uma – válvula de escape. Mas da mesma forma que você sempre aumenta o volume quando aquela música que adora toca na rádio, mesmo estando saturado de ouví-la no iPod ou CD Player, escutar esta frase completamente fora do contexto – isto é, em uma situação onde você nunca imaginaria ouvir isso, vindo da boca de alguém que você nunca imaginou se interessar por isso – é simplesmente adorável.

Esta frase saiu na quinta-feira, 11 de setembro de 2008, da boca de Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente por dois mandatos e “contador de causos” – do tipo que fala da amizade com o primeiro-ministro canadense ou Hillary Clinton como quem fala dos amigos da roda de poker das segundas à noite. E saiu em um auditório irrelevante de uma universidade irrelevante em uma cidade quase mas não totalmente irrelevante do meio-oeste de Santa Catarina.

Em Caçador-SC, um grupo de empresários, em conjunto com a universidade local (UNC) decidiu realizar uma roda de palestras “motivantes” para dar um empurrão no desenvolvimento local. A cidade está encravada no coração da região do Contestado, local de uma das poucas e breves guerras civis brasileiras, no início do século XX, e colonizada por imigrantes europeus não-portugueses (leia-se italianos, alemães, poloneses e afins) em um sanduíche cultural cujos pães são o Rio Grande do Sul, o sul do Paraná, a Argentina e a Serra do Espigão.

Muitas das empresas da região produzem essencialmente commodities para exportação, como madeira de reflorestamento, celulose e curtume, sem grandes inovações, o que via de regra tem funcionado bem através dos tempos (algumas das empresas têm mais de 60 anos!). Mas exportar com o dólar a cerca de R$1,90 e o mercado externo em crise não é um dos melhores negócios do mundo, e parece que a necessidade de investimento em diferenciação, inovação e P&D (pesquisa e desenvolvimento) finalmente bateu à porta.

Foi justamente com o objetivo de incentivar esse tipo de desenvolvimento industrial que o Programa Brasileiro de Design foi criado, em 1995, durante o primeiro mandato do então presidente FHC. De lá para cá, a atuação do PBD foi concentrada em eventos esporádicos de fomento (Bienal Brasileira de Design), concursos (Design & Excellence Brazil) e oficinas voltadas especialmente aos APLs (Arranjos Produtivos Locais), que em 2002 passaram a fazer parte também do programa de vários dos núcleos de design criados pelo programa Via Design, do Sebrae. Apenas em 2004 o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) inseriu o design nas diretrizes gerais para inovação e desenvolvimento nacional.

A extensão do trabalho do PBD pode ser “apreciada” durante o Brazil Design Week, que foi realizado de 9 a 14 de setembro no Rio de Janeiro. A primeira atividade do evento foi justamente o Fórum de Políticas Governamentais, que contou com a presença de representantes da Espanha, Coréia do Sul e Inglaterra. Os cases serviram para mostrar o que todo mundo já sabe – que uma política consistente de design está diretamente correlacionada ao desenvolvimento competitivo da indústria. Mas serviram também para mostrar a fraqueza do programa brasileiro.

A última apresentação do fórum foi justamente do PBD. Depois de três extraordinárias, ficava claro o nervosismo da representante brasileira. Ela gaguejava. Hesitava em falar das características do programa, limitando-se a enumerar as atividades que o PBD já realizou nos 13 anos de vida. Desculpou-se várias vezes (eu contei quatro) pela sua própria falta de preparo. O design fala a mesma língua no mundo todo, mas aparentemente não no Brasil. É de se imaginar o que pensavam os três representantes internacionais na primeira fila, enquanto ouviam a palestra pelas palavras do tradutor português-inglês.

Quando FHC estava saindo do nossa pousada, onde estava hospedado, rumo ao aeroporto, tive a chance de fazer uma última pergunta ao me despedir.

“ – Professor, o senhor já ouviu falar do PBD, o Programa Brasileiro de Design?”

“ – Não.”

“ – (longa pausa) Nunca?”

“ – Nunca.”

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É graduado em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em blackberry, ford galaxies e falar mal dos eventos alheios, não necessariamente nesta ordem.

Arghdesign #5: Beer designers

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Você pode reclamar do cake designer que fez seu bolo de aniversário. Pode reclamar do designer de sobrancelhas do seu bairro ou do hair designer da sua mãe. Mas convenhamos, falar em Beer Designers é muito mais divertido. Além disso, é um tema ótimo para retomar esta coluna depois de três semanas de hiato – desviando um pouco (muito) do foco deste blog, ainda que seja sempre bom ouvir sobre outros assuntos fora do nosso mundinho fechado. Se o assunto em questão envolve canecos batendo e cereais fermentados descendo goela abaixo, tanto melhor!

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Dia 30 de agosto, em um belo sábado quente de inverno de Belo Horizonte, foi realizado o III Concurso Nacional de Cerveja Artesanal. Em uma chácara nos subúrbios da cidade, cervejeiros do país inteiro se reuniram (de táxi, é claro) para distribuir suas produções próprias, “provar” (interprete como quiser) as mais de 15 microcervejarias presentes no evento e “debater” (de novo, interprete como quiser) sobre esse fantástico assunto que é a cerveja produzida em casa. E aqui posso fazer o comparativo: cervejeiros também sofrem de uma certa crise de identidade. Mas essa “crise” vem da ainda inscipiente cultura cervejeira nacional. Quando falamos de estilos de cerveja, existem as escolas belga, alemã, tcheca, britânica e norte-americana… mas não uma escola brasileira. É isso aí, povo: designers não são os únicos seres do mundo a procurar uma identidade nacional para seu trabalho.

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A diferença está na abordagem. Boa parte dos designers são chorões e birrentos, perdendo tempo discutindo em círculos. Cervejeiros simplesmente não estão nem aí – produzem primeiro e perguntam depois. A Colorado (cervejaria de Ribeirão Preto) inovou usando mandioca e café na cerveja. A Dado Bier (gaúcha), com erva-mate. Se ficou bom, ótimo. Se não, até a próxima experiência maluca. É tanto otimismo transbordando que dá dó comparar com nós, designers em crise.

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Veja o seguinte caso: quando nós olhamos um rótulo de cerveja, não encontramos muito mais informações além dos ingredientes e do grau alcóolico. Mas cervejas possuem uma variadade grande de índices, e um deles é o IBU, ou índice de amargor. As pilsens tchecas – as originais (nada a ver com o suco de milho que tomamos aqui) – têm entre 25 e 30 de IBU. Uma Heineken, que consideramos amarga para o nosso paladar, tem 20. Skol, Bohemia, Kaiser e afins não costumam passar de 10. Um maluco carioca que se enquadra perfeitamente no perfil que tracei acima criou uma assombração alcóolica com 150 de IBU e 10,5º – com o sugestivo nome de “Hop Wine” (Vinho de Lúpulo). Foi provar tal líquido fermentado que me fez chegar à conclusão que existe, sim, um estilo brasileiro de fazer cerveja – que se resume na palavra insanidade.

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Esse não é o único comparativo interessante. Uma das cervejas ganhadoras de um concurso anterior foi fervida em uma panela de batata e esfriada na piscina do quintal – mais ou menos como muitos projetos fantásticos (e premiados) de design que vemos por aí foram feitos. Os cervejeiros estão se organizando em associações – a AcervA Nacional (Associação de Cervejeiros Artesanais) e as Regionais. Concursos atrás de concursos têm sido realizado pelo país para divulgar a “arte”. O mercado tem tido um crescimento tão assustador que até as megacervejarias mudaram suas estratégias – enquanto a Schincariol entrou de cabeça nesse mundo, comprando várias microcervejarias e investindo em inovações, a Ambev/Inbev aposta nos rótulos importados que a empresa já têm. Em menos de uma década e de maneira completamente anárquica, os cervejeiros estão fazendo com seu mercado o que os designers lutam desde que a profissão aportou por aqui.

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Fazer uma cerveja em casa não é difícil, mas é trabalhoso: da moagem do malte à passagem para os fermentadores (não raro galões de 20l de água mineral improvisados) passam-se fáceis 12 horas, além de melecar toda a área de serviço da casa e boa parte da cozinha. O custo da brincadeira por litro sai muito mais caro que qualquer cerveja de supermercado – e ninguém estaria nessa se não fosse por paixão. E paixão muitas vezes é também o que faz toda a diferença para os bons e maus profissionais de design.

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Se você ama o que faz, por mais ruim que seu trabalho seja, vai fazer o possível e o impossível para melhorá-lo. Não só pelo esforço, mas simplesmente porque tudo (bem, quase tudo) passa a ser muito divertido. Pense nas 24 horas do dia. Qual o sentido de se dormir 8 horas e fazer o que não gosta durante outras 8 com o objetivo de se fazer o que gosta nas 8 restantes? Ainda não inventaram um jeito prático de se abdicar do sono, então temos 1/3 de toda uma vida sendo jogada pela janela. Dá pra tornar essa vida mais interessante – especialmente com um caneco de Belgian Strong Ale do lado da mesa.

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E viva a invasão dos beer designers!

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(em tempo: nenhum cervejeiro no mundo se autodenomina “beer designer”, mas inventar essa expressão foi uma maneira prática de irritar os pentelhos do design. Se você é um deles, provavelmente está sofrendo de falta de preocupações na vida. Vá fazer um filho)

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É formado em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em Strong Golden Ales, Rauchbiers, IPAs, Kölschs, Barley Wines e tomar café da tarde com Fernando Henrique Cardoso, não necessariamente nesta ordem.

ArghDesign#4: Starck x starck

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Você acredita no design?

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Há cerca de um ano atrás, um nobre amigo escreveu um texto curto sobre o não-acreditar em design. Nele, o Ceviano em questão (Eduardo Gonçalves) afirmava que voltou a acreditar no design como peça fundamental para a melhoria do mundo depois de um tempo de crise, mas que não via “como exercer o design desta maneira no mundo como ele está hoje”. Ele não é o único.

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Em março deste ano, Philippe Starck, o renomado designer francês que nos brindou com sua fabulosa versão do que um espremedor de laranja não deve ser, respondeu à uma entrevista para uma revista alemã onde afirmava, melancólico: “O design está morto”. E complementou, dizendo que todo o trabalho de sua vida foi desnecessário e inútil. Com estas frases, Starck deixou de acreditar no design. Lucidez tardia?

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A entrevista gerou respostas diversas. Sydney Glover, colunista do The Sydney Morning Herald, foi enfático: “Bem, o resto de nós poderia ter dito isso para ele”. Bruce Nussbaum, da revista americana BusinessWeek, citou alguns exemplos de designs que passaram longe de serem inúteis para a sociedade (ainda que não sejam obra do polêmico entrevistado) e preferiu abrir a questão para debate. Jill Fehrenbacher, do blog Inhabitat indagou se não era algum tipo de “crise de meia idade”.

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Menos de um mês depois, o mesmo Starck ressurge dizendo que está “de volta no jogo” e que agora apenas produzirá peças que colaborem para a sustentabilidade do mundo. O anúncio foi realizado em uma mostra paralela do salão de Milão intitulada “Greenergy Design”, onde Starck nos apresentou seu novo brinquedo – “Democratic Windmill”, uma turbina eólica caseira (maneira cool de dizer “cata-ventos”) que qualquer um (?) pode ter em casa a partir de setembro e assim suprir até 60% da necessidade de energia do lar. Derivados o petróleo, nunca mais. Envergonhem-se, fãs da Alessi. Assim como meu colega, Starck voltou a acreditar no design… mas como apontou Nussbaum e provou Gonçalves ainda ano passado, com um pouco de atraso.

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Enquanto o Starck (Phillipe) passava por suas crises, outro Stark (o Tony) faturava milhões em bilheteria mundo afora. Tony Stark, como todos sabem, é o Homem de Ferro, um empresário milionário inteligentíssimo da indústria bélica que, após uma crise de consciência, monta uma armadura fantástica e vira super-herói. Eu proponho uma troca: ao invés do Phillipe, vamos tornar o Tony o exemplo-mor a ser seguido de designer contemporâneo. Como todo designer, ele passou por uma crise pessoal (foi sequestrado e passou a ver o mundo com outros olhos) e passou a usar suas habilidades fantásticas para o bem, produzindo uma (por que não?) obra-prima do design. Em meu outro artigo, eu escrevi que não existem designers super-heróis. Errei! Descobri vários. Não podemos esquecer também do saudoso MacGyver.

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Em Terra Brasilis, um terceiro Stark dá uma aula do que é acreditar no design. Produzido pela TAC (Tecnologia Automotiva Catarinense) e desenhado pela Questto Design de São Paulo, o Jipe Stark é, sob vários aspectos, um paradoxo industrial. Em um mercado dominado por grandes montadoras mutinacionais, um grupo de empresários convenceram investidores, convenceram parceiros e, principalmente, convenceram a si mesmos. E acreditaram no design. E pra eles, acreditar ou não no design não é um luxo retórico, como no caso do Starck (o Phillipe) e outros designers, mas simplemente uma questão de sobrevivência. São as regras do mercado em sua aparência mais crua. (O jipe chegou a ser exposto no Museu da Casa Brasileira, em dezembro de 2007)

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Existem “acreditares” e “acreditares” em design, mas há uma diferença entre o acreditar da indústria e o do designer. A indústria é pragmática: ela quer resultados. Já os designers podem até se deixar levar pro suas incertezas, mas estas devem ficar restritas a nossas próprias discussões – ao nosso próprio mundinho. Você contrataria alguém que não acredita em si mesmo?

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O exemplo dos três Star(c)ks ilustra bem isso. O terceiro Stark é o design pragmático e sem crises de identidade aplicado na prática. Em se tratando de projetos de risco, não há lugar para incerteza. O segundo Stark mostra que mesmo quando não quer, a ficção imita a realidade (ou é a realidade que imita a ficção?). E o primeiro mostra o designer em crise consigo mesmo – a crise que passou pelo Tony e nem chegou no jipe. Mas Phillipe Starck é Phillipe Starck. Ele pode.

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E você, com qual Starck se identifica?
(Eu sou mais o Tony Stark. A casa dele é muito mais legal e ele tem a Gwyneth Paltrow)

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em molho barbecue e pede sinceras desculpas por ter publicado este artigo com 24 horas de atraso. Não necessariamente nesta ordem.

ArghDesign #3: Eu Já Esqueci Mais Do Que Você Um Dia Vai Saber

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Assim que terminar meu pretensioso livro sobre fracassos, já tenho uma nova e brilhante idéia: criar um livro sobre “pop-design”. Surgiu assim: Uma hora de enrolação no aeroporto de Manaus por precisar remarcar minha passagem para São Paulo, uma visita rápida a uma livraria, um olhar de revesgueio para a prateleira dos infames livros de “como-ascender-na-carreira-e-ficar-rico” e presto! Me surge uma Eisenbahn em meio às Kaisers: “Abaixo o Pop-Management!”, uma coletânea das colunas de Thomas Wood Jr na Carta Capital, pelo singelo preço de R$9,90. Se o título fez meu cérebro respirar feliz, o conteúdo equivaleu a uma injeção de meta-anfetamina atrás da orelha. ”Pop Management”, na concepção do livro, é a repetição constante de mantras da profissão por pessoas com preguiça de estudar coisas novas e/ou um profundo interesse em lucrar com as idéias alheias. No campo da administração isso gera um tremendo problema, visto que nunca duas empresas serão exatamente iguais (e portanto, receitas de bolo não existem!). John Kay, em artigo publicado em 2002 na The Economist (citado por Felipe Ribeiro), diz, por exemplo, que o best-seller “Quem Mexeu no Meu Queijo” é direcionado para leitores com 5 anos de educação escolar. Soa familiar?

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“Abaixo o Pop-Management” entrou merecidamente em segundo lugar na minha lista de livros de negócio prediletos. O primeiro (e incontestável até agora) segue com “Por Que as Pessoas de Negócios Falam Como Idiotas?” – aliás, outro forte candidato a ter uma versão para designers saindo de minhas maltraçadas linhas em breve.

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Os livros podem ter servido como lâmpadas, mas quem forneceu a eletricidade para a brilhante nova idéia foram dois artigos publicados recentemente neste mesmo blog. O primeiro é da coluna do Bob Wollheim no W News, publicado aqui pelo colega Fernando Galdino. O artigo é a expressão mais pura de um “Pop-Manager” em ação. A transmutação de um ser comum nessa praga de palestras motivacionais é fácil de entender. A administração é provavelmente a única área onde se pode seguir uma carreira escrevendo livros novos todo ano sobre exatamente o mesmo assunto, mudando apenas a ordem dos capítulos, e continuar vendendo milhões. Isto ocorre porque, apesar de haver muita gente fazendo pesquisa séria, a picaretagem domina com larga vantagem o mercado.

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O problema é que há algum gene empoeirado circulando nas nossas células que faz que continuemos atrás de alívio espiritual para as incertezas do cotidiano. Na prática, nós precisamos que alguém nos conte uma história bonitinha e diga que tudo vai dar certo no final (até a Xuxa já fez dessa, e magistralmente). Tom Peters escreve: inovação é a chave. Logo, dá-lhe mais e mais tratados anencéfalos sobre inovação estratégica. Dolabela escreve: empreendedorismo é a salvação. E dá-lhe “especialistas” sobre o assunto surgindo da noite pro dia. Muitas vezes nem é má vontade, é preguiça de estudar mesmo. De novo: soa familiar?

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O que leva ao segundo artigo, do prof. Ricardo Martins (sobre “deus-signers”). Este chegou até levantar certa polêmica, e explica com uma clareza enorme a versão “pop-management” do design – ainda que o autor nem cite a expressão. Pop-designers são os primos pobres dos pop-managers. Ambos tentam montar uma carreira baseada em sua própria inépcia (ou má-vontade) de conhecer novas idéias e reciclar seus conhecimentos. Designers com esse perfil estão em todo lugar. Quando não têm diploma, são rotulados de “micreiros” e marginalizados. E quando têm? Se design mata, como diz Ivens Fontoura, quem vai assegurar que tais personalidades e seus egos fiquem bem longe da sociedade civilizada? Da mesma forma como um leitor de Você S/A nunca será um executivo de sucesso justamente por perder tempo lendo Você S/A, um designer nunca será, de fato, um verdadeiro designer enquanto não perceber que as “estrelas” das capas das revistas de design são as exceções e nunca a regra – e os verdadeiros designers bem-sucedidos estão ralando e estudando, atrás de seus micros, para entregar para seus clientes e colaboradores nada menos do que a melhor solução possível. E não tem glamour nenhum nisso.

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Um exemplo bacana da contestação ao “pop-management” em toda sua frondosa plenitude é uma brincadeira infelizmente ainda pouco popular no Brasil chamada buzzword bingo. Funciona assim: em cartelas comuns de bingo, em vez de números, são anotados chavões do mundo corporativo, como “agregar valor”, “quebrar paradigmas”, “pensar fora da caixa”, “blue-sky thinking” e por aí vai. Durante uma palestra ou conferência, as cartelas (secretamente) são distribuídas, tornando o ato de sentar a bunda em uma carteira enquanto uma pobre alma lança palavras vazias ao ar (intercaladas com as clássicas tiradas à la Jerry Seinfield pra quebrar o gelo) muito mais divertida. A brincadeira, inclusive, virou tema de uma propaganda recente da IBM. Não é uma tremenda idéia para usarmos no design (especialmente nas salas de aula)?

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De “agregadores de valor” e “modificadores de paradigmas” já bastam os pop-managers. De designer megalomaníaco já tem o Hans Donner e tá bom demais.

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(Em tempo: O terceiro melhor livro de negócios na minha prateleira é O Restaurante no Fim do Universo, segunda parte da “trilogia de cinco livros” do Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams – mais precisamente o capítulo 32, que me lembra de praticamente todos as reuniões em fórums de design das quais já participei.)

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em livros estranhos, cartazes bizarros, purê de batatas com legumes e encontros de design – não necessariamente nesta ordem.

ArghDesign #2: Homo Tudo Sapiens (ou: “como eu amo meu Landau”)

Tempos atrás fui questionado em uma lista de discussões ao inserir o seguinte argumento, todo cheio de pompa e rebuscamento, como é típico dos grandes argumentos da humanidade:

“Design social é chato”

Pronto! foi o pivô de cucurbitações extasiantes, ofensas aleatórias e respostas que pareciam quase, mas não totalmente, completamente diferentes um debate construtivista (valeu, Douglas Adams!).

A verdade é que, com tantos modismos indo e vindo anexados no discurso de nosso querido design, fica extremamente difícil manter um foco sobre a atuação profissional. Quem pensa no design focado em marketing e administração corre o risco de ser taxado de “fomentador do consumismo”, “sanguessuga de moedas”, “porco capitalista” ou coisa pior. Quem analisa com foco em temas sociais, por outro lado, é “inimigo da profissão”, “populista”, “panfletário” ou ainda “profissional incompetente que virou professor” (esta última é a mais clássica). Nem caio no risco de citar sustentabilidade aqui – o termo mais em voga na nossa insignificante esfera azul nos últimos anos, e também o de significado real mais obscuro (chegando, neste quesito, a passar para trás com honras outros clássicos: “agregar valor”, “paradigma”, “interdisciplinariedade” e o meu preferido, “design como ferramenta competitiva estratégica”).

Para piorar, há, no Brasil, uma cultura estranha de que o lucro é pecaminoso. Ao mesmo tempo que empresas são vistas com maus olhos quando mostram publicamente que estão muito mais preocupadas em gerar dividendos que em salvar o planeta, um profissional de design que abandona o discurso social em troca de clientes é um “vendido” ou “prostituto”. Embalagens longa-vida são difíceis de se reciclar. Logo, quem desenha embalagens longa-vida é vilão. Quem diz “Não! Eu só trabalho com papel reciclado” para o cliente é herói. Isso ocorre mesmo que a longo prazo a atuação do primeiro se mostre como mais sustentável que do segundo, porque é difícil de analisar nestes casos relações de causa e efeito mais aprofundadas – e como tanto diz Steven Levitt em seu Freakonomics, relações de causa e efeito puras e diretas são difíceis de encontrar. Assim, talvez o primeiro designer possa estar contribuindo mais para nosso “mundo feliz” que o segundo sem sequer perceber isso – enquanto o outro, ao escolher trabalhar com determinados produtos sem conhecer a fundo seus ciclos de vida, pode estar causando um impacto ambiental muito maior, apesar das boas intenções.

Esse exemplo simples da complexidade de se trabalhar com design social é útil para entendermos outros “problemas” que inevitavelmente todo designer acaba enfrentando em sua vida profissional, como por exemplo a “indispensável educação” de clientes. Da mesma forma que um designer atrapalhado pode causar um dano ainda maior ao ambiente ao querer, na verdade, reduzí-lo, um designer com a melhor das intenções de educar seus clientes para o valor da atividade pode causar o efeito inverso e criar uma aversão eterna ao design. Essa é a consequência de guiar atos pelo senso comum.

Independente do rumo profissional que queremos seguir, independente das escolhas que fazemos, ter foco é essencial. Designers tem o péssimo hábito de querer mudar o mundo – partindo do princípio que o mundo queira ser mudado – e de pensar que ele é assim justamente por não conhecer o potencial do nosso trabalho. Besteira. Nós não somos deuses. Não somos super-heróis, nem temos as respostas para todos os problemas. E, principalmente, não precisamos forçar a existência de um aspecto social no design porque o design *é* social em sua essência. É uma redundância.

Proponho uma troca, então: deixemos de lado esta nossa prepotência – este nosso pretensionismo – e consideremos atitudes mais singelas. Você quer educar as pessoas para o design? Então que tal educar a si mesmo para entender as pessoas? Seus clientes vão agradecer. Você quer ajudar a criar um mundo mais verde? Estude bastante e vá fazer um mestrado ou doutorado (aliás, por que designers odeiam tanto livros?) em alguma linha de pesquisa ligada a sustainability design. Escreva uma tese bacana. Publique. Crie um caminho e mostre ele para o mundo, trocando achismos por fatos.

Ah, sobre o Galaxie Landau, para quem não sabe, era o carro top de linha da Ford até 1983 – um gigante de cinco metros e meio por dois, que (bem regulado) faz uma média de 3,5 km/l. Um tremendo poluidor na atmosfera. Sem problemas – durante a semana eu ando de bicicleta, então equilibro minhas emissões as de carbono. E eu durmo bem à noite.

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em filmes dos Irmãos Marx, livros de HQs, dormir em rede, Albert Camus e voadoras, não necessariamente nesta ordem.

ArghDesign #1: Design para Fracassados!

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[NOTA: nesta nova coluna, abordarei os resultados das minhas pesquisas através do Projeto Empreendedorargh! e as observações que tenho feito nesses 7 anos dentro desse nosso mundinho designer. Embora quase tudo tenha raiz em algum lugar, é bom frisar que aqui vai nada mais do que minha opinião – parcial, preconceituosa, imoral e ordinária. Comentem!]

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Failure is one of those things that “serious people dread”. Invariably, the persons most likely to be crippled by this fear are those people who have convinced themselves that they are so bitchen they shouldn’t even be placed in a situation where they might fail. Failure is nothing to get upset about. It’s a fairly normal condition; an inevitability in 99% of all human undertakings. Success is rare – that is why people get so cranked up about it.

– Frank Zappa

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Eu tenho um interesse crescente em escrever um livro sobre fracassos. Prateleiras e mais prateleiras de nossas adoráveis bibliotecas e livrarias do dia-a-dia estão entupidas de leituras de casos de sucesso, o que se tornou algo muito pior que uma praga – pelo menos no que tange aos livros de negócios. O mesmo pode não ocorrer com design, mas sejamos sinceros, achar um bom livro de design sem figurinhas já é difícil em primeiro lugar. De qualquer forma, empresas de design, assim como empresas de qualquer área, nascem e morrem a todo momento. Algumas mais afortunadas crescem e cravam seu nome na mídia (ou pelo menos na mídia que interessa aos clientes específicos daquela empresa). É relativamente fácil encontrar essas, assim como conhecer suas histórias. Mas e as que morrem? Para onde vão?

Toda empresa começa de um núcleo similar: um grupo de duas ou mais pessoas com um interesse em comum: ganhar dinheiro. Podem haver um zilhão de outros motivos (“odeio meu chefe”, “encontrei um nicho”, “quero mudar o mundo”), mas se alguém abre uma empresa sem ter a intenção do lucro já está cometendo um erro em primeiro lugar. Nesse caso, é infinitamente melhor abrir uma ONG. Você dorme em paz à noite e ainda ganha ajuda do governo para isso. Considerando que não seja esse o caso, uma vez constituída a empresa, ela logo passa por uma fase um tanto complicada: você tem finanças a cuidar, mas não tem expertise nem muito menos cacife para contratar um bom profissional da área. Você tem boa vontade, mas não tem clientes (e, as vezes, nem sequer portifólio). Você as vezes não tem nem sequer uma boa sala comercial, tendo que aguentar vizinhos barulhentos, inevitáveis complicações climáticas e uma certa claustrofobia. E isso que nem chegaram as primeiras contas brabas para pagar. E é nesse momento, quando os sócios estão com os nervos à flor da pele, que a empresa passa pela sua primeira grande crise existencial: aquela em que um olha para a cara do outro e começa a pensar seriamente em porque diabos aquele cara, que sempre foi tão companheiro em botecos pela vida, trabalha com tanto afinco quanto um senador em mandato vitalício no congresso nacional. Ou ainda: “fazer freelas/ ter um chefe era mesmo tão ruim assim?”. Mal a empresa começou e ela já está perigosamente perto do fim.

Relacionamento é sempre um item delicado. Talvez seja por isso que há muitos milênios sábios monges das altas montanhas do noroeste de algum lugar obscuro escreveram em suas tábuas de sabedoria: “Amigos, amigos, negócios à parte”. É um clichê dos nossos dias. Mas um clichê que sempre fez (e ainda faz) todo o sentido. Enquanto estamos na universidade, é comum nós criarmos grupos de trabalho conforme nossos grupos sociais – é muito mais divertido fazer um trabalho com aquele cara que sabe fabricar cerveja em casa que com o fã do Hans Donner que usa óculos esquisito. Mas uma vez que estejamos agindo em um nível profissional, as potencialidades passam a ser muito mais importantes que eventuais desavenças de gostos. É claro que um bom relacionamento entre os sócios é fundamental para a empresa que está nascendo, mas faz mesmo tanta diferença o fato do cidadão ser fã do Calypso?

Conheço um caso muito bom de fracasso que veio de algo bem similar. E é bom deixar claro: só conheço o caso à fundo justamente por ele tratar de grandes amigos meus. Empresários falidos não tendem a ser muito gentis em relatar as desavenças internas que eventualmente levaram à ruína suas empresas. O caso é o seguinte: dois amigos de faculdade, pouco depois de formados, resolvem montar empresa de design. Para montar seu portifólio, usam seus trabalhos como freelancers e trabalhos acadêmicos. Logo atraem alguns clientes e assim vão crescendo – ou assim parece. Meses depois resolvem dissolver a sociedade. O que aconteceu? Enquanto um dos sócios era mais pró-ativo e gerencial, o outro era puramente operacional. Em outras palavras, um ótimo profissional, mas que nada fazia sem uma ordem superior. Muito bom em várias empresas – mas não em uma recém-fundada, com apenas duas pessoas trabalhando. Obviamente, brigas começaram a acontecer, e, para não perderem a amizade, encerraram a sociedade.

Fazendo um contraponto (porquê contrapontos sempre são legais), a esmagadora maioria das empresas de design que eu pesquisei até hoje surgiu de forma muito similar à citada acima. A diferença está no que veio depois – e como os sócios-empreendedores aprenderam a lidar com as adversidades. Afinal, levar tombos é comum em qualquer projeto na vida. Levar tombos, se levantar, sacudir a poeira e seguir em frente é o que diferencia bons empreendedores. Pelo menos, é isso que as centenas de livros de casos de sucessos mostram. E de novo, é por isso que amo estudar os fracassos. Feliz ou infelizmente, sabemos que a vida real não vem em livros de auto-ajuda; A vida real é suja, deselegante, ordinária e cruel. E deliciosamente divertida.

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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em história política brasileira, Monty Python, Frank Zappa, cervejas artesanais e voadoras, não necessariamente nesta ordem.