Crítica ao “Manifesto Anti-Design”

No segundo semestre de 2007 foi divulgado um manifesto cuja intenção era expandir a discussão sobre a atuação do designer e os rumos que a profissão estava tomando. É elogiável a intenção do manifesto, na medida em que propõe uma reflexão crítica sobre o design. É bom quando alguém decide se posicionar e deixar de aceitar passivamente tudo que é imposto seja pelo mercado, faculdades, professores, políticos etc.

Visando colaborar para a discussão, faço aqui uma análise crítica ao manifesto (esse post já havia sido publicado no meu blog pessoal, Design pra Vida, em outubro de 2007). Veja a análise a seguir.

Segundo o manifesto Anti-Design,

“Designers gostam de brigar, vivem na sua panelinha, são ignorantes em filosofia, são passivos, são ignorantes em design, são preguiçosos e só querem a prática, vivem pensando apenas numa abstração chamada “mercado”, são escravos do neoliberalismo, são escravos do modelo americano, lidam com abstrações como “mercado, design”, sem saber do que se tratam. Os estudantes de design também são conformados ou ignorantes. “Os designers” rejeitam a teoria, abraçam o tecnicismo, a prática. Eles não tem discussões teóricas com professores, só querem a prática. Os designers dependem do mercado. Sem o mercado, o Design perde identidade, pois professores ensinaram que se não vende e não tem propósito, é arte. Designers não refletem sobre o próprio design e isso gera a falta de reconhecimento da profissão. Quando surge um olhar externo, fora do modelo de design atual, ele não é ouvido pela maioria.”

Em primeiro lugar, que “designers” são esses? Estereotipar a figura do designer, dizendo que “os designers isso, os designers aquilo”, ou seja, todos são iguais, é ser simplista demais. Nem por um milagre ou incrível coincidência, seria possível encontrar um designer que fosse exatamente igual a outro em tudo. Portanto, generalizar dizendo que existe uma figura chamada “O Designer” é perigoso e coloca em dúvida qualquer afirmação que se faça sobre ele.

Em segundo, será que essas características de adoração à prática, rejeição da teoria, subordinação ao mercado e à política são características só dos “designers”? Sabemos que não. Médicos, capoeiristas, engenheiros, policiais, enfim, muitas profissões também padecem desse mal.

Esses comportamentos que são condenados pelo manifesto refletem menos um problema pessoal e mais um problema educacional, que nasce nas famílias, não só nas faculdades ou cursos técnicos.

Concorrência

  • Alguns designers brigam contra micreiros e publicitários, mas médicos também brigam com farmacêuticos, fonoaudiólogos brigam com médicos, engenheiros brigam com arquitetos que brigam com decoradores que brigam com as costureiras que fazem cortina em casa. E porque brigam? Não é porque são designers. É porque são seres humanos que sentem medo, ciúme, inveja ou simplesmente se sentem mais vivos quando entram numa disputa.

Conformismo

  • Alguns designers também são conformados e não criticam, devido a fatores culturais. O brasileiro é passivo. Desde o ensino fundamental, é ensinado a aceitar tudo que vem dos professores como lei. Levantar a mão e contradizer um professor merece apedrejamento nas faculdades, pois muitos brasileiros, sejam professores, alunos ou designers formados, tem dificuldade em aceitar a crítica e levam pro lado pessoal. Isso gera um ciclo perpétuo, onde eu não critico você, que também não me critica. E isso não é um problema só pros designers.

Prática

  • E a adoração à prática, seria um privilégio dos profissionais de design? Não. Que um raio caia na minha cabeça, se apenas os designers gostarem de “cursos práticos”. A rejeição à teoria tem raízes muito mais profundas do que se imagina. A ênfase no trabalho manual, o analfabetismo funcional e a dificuldade em escrever e interpretar textos, a deficiência didática dos professores, a urgência dos tempos, a lei natural do menor esforço, enfim, são muitos fatores que fazem o ser humano querer o caminho direto que leve à realização.

Ditadura do mercado

  • Com respeito à obediência ao mercado, isso também não é característica exclusiva dos designers. Essa sujeição capitalista está menos ligada à ignorância dos designers e sim a uma questão de sobrevivência imediata e subordinação econômica, onde quem detem o capital manda e quem precisa dele obedece. Obviamente, isso não agrada todo mundo, mas a forma de combater isso seria igualando o poder gerado pelo capital financeiro com o poder gerado pelo capital do conhecimento. Só que as instituições educacionais não conseguem isso e essa equalização não acontece. Resumindo, o buraco é mais embaixo, e esse descontentamento dos designers com a lógica capitalista neo-liberal não vai se resolver assim tão facilmente.

Um modelo melhor

Sobre a relação do designer com a teoria, prática, política, consumo e tecnologia, vale a pena comentar aqui o excelente texto “O designer valorizado”, de Nigel Whiteley (in ARCOS: design, cultura material e visualidade. Rio de Janeiro: Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial, out. 1998, v.1 n.1, p. 63-75).

Nesse texto de 1998, Whiteley propõe algo parecido com o que prega o Manifesto Anti-Design, quando propõe um modelo equilibrado de ensino do design que não seja totalmente excludente nem extremista, que atenda ao mercado sem ser um escravo dele. Ele diz:

Precisamos, para o próximo século, de designers criativos, construtivos e de visão independente, que não sejam nem ‘lacaios do sistema capitalista’, nem ideólogos de algum partido ou doutrina e nem ‘geninhos tecnológicos’, mas antes profissionais capazes de desempenhar seu trabalho com conhecimento, inovação, sensibilidade e consciência. Às escolas de design cabe a responsabilidade de fomentar essas qualidades no aluno, e não uma atitude de atender resignadamente às vicissitudes de um sistema consumista obcecado com lucros rápidos e com o curtíssimo prazo. As escolas e faculdades devem satisfações a toda a sociedade e não apenas àquelas empresas que empregam designers diretamente. O designer precisa ser formado para ser verdadeiramente profissional, no sentido em que fala a profissão médica, e para ter consciência de suas obrigações para com a sociedade como um todo e não apenas com os lucros do seu cliente. O designer precisa ser hipocrático, não hipócrita.

Pra finalizar, concordo com o manifesto, quando ele se posiciona contra fórmulas prontas da academia e contra os achismos dos designers. Mas acredito que isso não é um problema do design. Isso é um problema das pessoas. Portanto, o nome Anti-Design não reflete adequadamente a essência do manifesto, pois o que se deve combater não é o design em si e sim os mau designers.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *