Dez

Volta e meia temos de dar um jeito de explicar a nossa profissão. Normalmente somos definidos como “o rapaz que desenha” ou “a moça que mexe com computador”, quando não nos olham com um certo ar de dúvida. Ou ainda misturam designers, publicitários, ilustradores e outras profissões no mesmo mingau. Logo, pelo menos uma vez por semana alguém vai nos perguntar, afinal de contas, que diabos nós designers fazemos. É aí que a porca torce o rabo. A maioria dos designers vai responder a essa pergunta com uma explicação de meia hora cheia de referências históricas e sociológicas ou então vai explicar direitinho o funcionamento do Illustrator e do Photoshop dentro de um contexto criativo?lúdico. Ou qualquer outra bobagem dessas. No fim das contas isso só serve, a meu ver, para mostrar duas coisas: a maioria dos designers não sabe definir o que faz e os que sabem querem mais é enfeitar sua sardinha o máximo possível. No fim das contas, o resultado é o mesmo. Quem perguntou não apenas continua sem saber o que faz um designer como ainda passa a achar que são um bando de chatos convencidos (com certa razão).

Vamos tentar então, Joãozinho, explicar o que é esse tal de “dizáine” para todo mundo.

“Mas tio, quem lê isso aqui já é designer!”

Sim, sim, Joãozinho eu sei. E é por isso mesmo.

Em primeiro lugar, design não é arte. Adoro começar por esta afirmação pois geralmente causa reações que vão do engulho e negação da realidade à revolta e desejo de me arrancar a carótida à dentadas. Mas, infelizmente, turma, é a verdade. Design não é arte plástica, da mesma forma que, por exemplo, jornalismo não é literatura. O design e as artes plásticas possuem objetivos diferentes. Enquanto a arte visa atingir o espectador emocionalmente para através disso lhe proporcionar uma experiência espiritual que poderá ser desde o prazer estético pura e simples até mesmo um choque intelectual que o levará a repensar conceitos de vida. Fora isso, este é um objetivo estanque, desejado pelo artista e funcionando segundo seus conceitos particulares. Já o design busca materializar um conceito funcional a partir das necessidades de alguém, comunicando esse conceito através de um veículo emocional (no caso do design gráfico) ou gerando uma peça utilitária (quando é de produto). Ficou complicado. Então eu explico melhor: a arte começa no artista e termina no público; o design começa no cliente, passa pelo designer e termina no consumidor. Ou seja, enquanto o artista só precisa se preocupar em comunicar bem suas ideias, o designer precisa comunicar as do cliente para o cliente do cliente, sem interferência de suas próprias ideias. São propósitos diferentes que ocupam lugares diferentes nas necessidades humanas.

Contudo, ambas têm algo em comum: utilizam a emoção e não o racional como meio de condução. Por isso o designer também tem de conhecer profundamente as artes plásticas, saber sua linguagem, conhecer suas formas e ferramentas. O que significa que o designer também tem de ser um pouco artista plástico. A arte se torna uma ferramenta para ele.

Quer dizer que designer não faz arte?

Muitas vezes faz até demais?

Mas uma coisa é o trabalho de cunho autoral, quando as coisas se invertem e a arte deixa de ser a ferramenta do designer e o designer, virando artista plástico, utiliza seus conhecimentos para fazer uma peça artística.

O segundo erro mais comum da “plebe ignara” é confundir designer com desenhista. Claro, quase todo designer sabe desenhar ? e mais que isso, sabe ilustrar ? pois este é um procedimento próprio para o exercício da profissão. Mas isso não o torna um ilustrador. Da mesma forma, quase todo designer sabe fotografar, outra ferramenta de sua lida, mas não é um fotógrafo. Também não é um programador por saber trabalhar com sites. Nem? Acho que já deu para entender. Dominar as técnicas de desenho é essencial para o designer, por vários motivos. O primeiro é para soltar sua mente, exercitando a criatividade. O segundo é para aprender a pensar graficamente, conhecimento obviamente indispensável. Porém um ilustrador profissional aprofunda?se por reinos que um designer não necessariamente precisa conhecer, a não ser que queira também ser um ilustrador. E, a não ser em tais casos, o designer inteligente ao precisar de um trabalho de ilustração em seus projetos, irá contratar o serviço de um ilustrador para aquela peça.

Então o designer não ilustra?

Sim, ilustra. Se tiver o treinamento e estudo necessário. Ou se a ilustração que ele necessita não for algo muito elaborado, quando então o seu conhecimento é o suficiente. Mas, mesmo assim, muitas vezes o tempo que ele estará levando para elaborar a ilustração estará sendo retirado de outras fases do projeto em questão.

Opa! Palavrinha mágica que surgiu: projeto.

Vamos de novo: PRO?JE?TO.

Enfim deixamos o reino do “o que todo mundo acha que o designer é mas ele não é” e estamos chegando no reino do “o que é o designer”. To design, o verbo que gerou tudo isso, quer dizer “conceber e produzir um plano ou esquema para mostrar a aparência ou funcionalidade de algo antes de sua execução”. Não acredita em mim? Vá no dicionário Oxford de Língua Inglesa. Está lá. E como o designer é quem faz design, podemos, com o simples uso de dois ou três neurônios bem treinados, concluir que o design é projeto e o designer é um? projetista! Isso mesmo. Um designer é um projetista. E o que isso significa?

Mas, o que é um projeto? Se recorremos ? ou, pelo menos, eu recorri ? ao dicionário Oxford, nada mais justo que recorramos agora ao dicionário Michaelis de língua portuguesa.

Lá aprendemos que um projeto é um planejamento para que se alcance um objetivo. O que significa que ser um projetista implica em conceber algo em função de parâmetros, não com a imaginação linda leve e solta mas disciplinada a obedecer àquelas necessidades. Significa seguir uma metodologia que permita que outras pessoas compreendam e, eventualmente, reproduzam os passos seguidos para chegar naquele resultado. Significa documentar etapas para que se possa avaliar a evolução do produto. Significa embasar o que se faz em conhecimento, um método e um objetivo claro e definido e não em mensagens divinas.

Já passou da hora de nós, designers, paramos de nos ver como uma espécie superior de criatura iluminada pelas musas e passarmos a encarar nossos trabalhos como projetos que dependem tanto de inspiração e talento nato como todo e qualquer trabalho executado por um matemático, um arquiteto ou um jornalista. E, não, Joãozinho, não estou dizendo que essas profissões, bem como a do designer, não tenham seu quinhão de inspiração e talento nato. O que estou dizendo é que todas elas requerem mais do que isso. É o famoso “10% de inspiração e 90% de transpiração de T. A. Edison.

Claro, isso tira um bocado da névoa de glamour com que gostamos de cercar nosso exercício profissional. Ainda gostamos de nos ver romanticamente como o designer freelance arremetendo com a caneta de sua tablet em riste qual lança contra os gigantes malvados dos grandes escritórios e corporações, munido com nada mais do que sua genialidade, seu estilo e sua criatividade sobre?humana para se defender dos clientes ignorantes cheios de mau gosto.

Bobagem.

Isso serve muito bem para quem está no início de carreira, tendo quem o sustente e sem se preocupar em ganhar mais do que o suficiente do que o que gasta nas noitadas onde se encontra com outros designers (não tão brilhantes e criativos quanto ele, claro, mas ainda assim quase divinos). Mas se você se preocupa com aquelas coisinhas chatas da vida como contas, aposentadoria, impostos, planos de família e outras assim é bom mudar de postura e deixar de ver a si mesmo como um herói do bom gosto contra a breguice geral e passar a ser um profissional.

“Quer dizer, tio, que eu não posso soltar minha criatividade e tenho sempre de me preocupar com essas coisas de parâmetros de projeto e cronograma?”

Claro que pode, pequeno gafanhoto! Para isso existem os projetos autorais, cujos parâmetros são definidos por você mesmo. Projetos que você leva adiante por prazer pessoal, incutindo ali nada mais do que o seu estilo puro. É ali que você desenvolve o seu talento, que você estuda novas ideias É ali que o designer se faz artista. Mas no dia a dia profissional, vamos deixar o excesso de vaidade de lado e comecemos a olhar a nós mesmos e à nossa profissão como o que ela é: um serviço sendo oferecido por profissionais a seus contratantes na forma de projetos e não a salvação do mundo.

Quem sabe aí, quando estivermos com os pés no chão, consigamos ser respeitados como profissionais e não olhados de lado como um bando de gente esquisita com a cabeça nas nuvens e o rei na barriga. Saber quem somos é o primeiro passo.

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