Estudar na Europa? Aprecie com moderação.

Estudar na Europa parece ser o sonho de muitos estudantes brasileiros que vislumbram ter algum dia um ensino de qualidade, ao que parece, nossa educação está aquém da qualidade dos europeus em muitos aspectos. Essa legitimação dá-se por diversas razões: desde a clichê, mas sempre atual, colonização, até a um comparativo entre currículos baseada em pontos específicos (“esse curso aborda mais o que eu quero”). O que eu pretendo aqui é abrir a discussão referente a essa busca desmedida pelo estrangeiro, que ao meu ver, está numa situação pior que a nossa no que diz respeito à valorização da Universidade. Em 2006 e 2007 tive a oportunidade de experimentar 4 Universidades de Design: UFBA (minha faculdade de origem), UFPR (através do Programa ANDIFES de Mobilidade Acadêmica), Politécnico di Milano – Itália e Köln International School of Design | KISD – Alemanha. Nesses espaços eu experimentei 4 propostas pedagógicas diferentes e 4 quatro realidades distintas. 

A Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia é a unidade sede do Curso de Design do Objeto (antigo Desenho Industrial com habilitação em Programação Visual) e do Curso Superior de Decoração (futuro Design de Interiores), ela sobrevive à duras penas à política neo-liberal de depredação do ensino público com R$ 4000,00 trimestrais. Temos aulas em prédios provisórios há uma década, com pouca infra-estrutura de suporte pedagógico (2 projetores pra 4 cursos de graduação) e uma decadente estrutura física (tetos que caem e goteiras). Nosso corpo docente é constituído basicamente por profissionais de áreas congêneres, pois na nossa escola, temos ainda os cursos de Artes Visuais Bacharelado e Licenciatura, com os quais dividimos os Departamentos de Expressão Tridimensional e Pintura e o de História da Arte e Desenho. Mesmo com todo esse quadro, fomos elogiados por nossa produção na última avaliação do MEC, pelo Prof. Ari Rocha. Aqui não temos pesquisa em Design, mas como dito por uma professora de Saint Ettienne – França, nosso corpo discente é o patrimônio mais valioso da Universidade Federal da Bahia. Movimentação vista também na Universidade Federal do Paraná, onde estudantes avaliam professores e organizam desde 91 eventos de mobilização nacional. Meus oito meses em Curitiba mostraram como seria a UFBA com um corpo docente especializado e com incentivo a pesquisa. 

E chego na maior escola de Design do mundo, o Politécnico di Milano, com quase 8000 estudantes de design (dado que ouvi pelos corredores) que apresenta uma infra estrutura de invejar: Studio de Clay pra modelagem de automóveis, scanners 3D, Laboratórios de prototipagem e um corpo docente vinculado a um imenso departamento de pesquisa chamado INDACO. À primeira vista, um sonho. Mas ao entrar na sala de aula da graduação (lauréa), me deparo com um sistema pedagógico que contradiz fundamentos de uma Universidade, como estudos em disciplinas humanas (sociologia, filosofia, etc) e a construção do conhecimento ainda na graduação, e nem se ouve falar em extensão. Temos um curso de graduação em 3 anos, que não tem muito valor, você é um Designer Gráfico “inferior” (como ter um antigo curso técnico) e dai sim, uma especialização em 2 anos, onde você pode se tornar então um profissional de fato.

O tratado de Bologna foi acordo de padronização pedagógica estabelecido na Magna Charta Universitatum de Bologna em 1998. Ele procura criar, entre outras coisas, um sistema que viabilize o livre passe de estudantes e professores pela Europa, (Bologna é um dos “pais” do Uni-Nova, programa para as universidades federais criado pelo meu Reitor Neomar, o Magnífico, em sua escalada rumo ao ministério, mas isso deixo pra outro artigo), uma proposta até interessante, mas que faz o ensino pagar um preço alto. Bologna é o resultado de um processo de depreciação do ensino superior, onde temos um estudo cadenciado, com 120 estudantes na sala de aula (onde você é menos que um número), disciplinas especializadas que oferecem conteúdos ferramentais, que não propiciam discussões de sociedade ou construção de conhecimento na graduação. Uma fábrica de “profissionais”.

Na Alemanha tive contato com um sistema próprio. A Escola Internacional de Design de Colônia foi fundada por um dos pioneiro do design pós-moderno alemão Dr. Michael Erlhoff para ser uma “escola de fazer pensar” (palavras ditas por ele em uma conversa informal no café administrado por estudantes da escola). 15 estudantes na sala de aula, 5 anos de graduação, dois TCCs (pré-Diploma e Diploma), disciplina chamada Workgroup, onde você trabalha em um posto na faculdade, seja na administração, no café, no jornal da escola, etc. Em contato com o professor Jenz Großhans (diretor da escola quando eu estudei lá), ele me falou de como será difícil manter o método KISD com o tratado de Bologna, pois os critérios pra fazer parte impedem grande parte do projeto pedagógico experimental da escola.

Acho que nosso sistema educacional está longe de ser o ideal: nossa escola pública está caindo e as particulares estão se transformando em cursinhos (e particulamente questiono o compromisso social dos empresários da educação). Mas ao meu ver a Europa, em muitos casos, oferece uma educação de graduação seletiva, quase um curso profissionalizante, com grandes inovações tecnológicas em infra-estrutura, mas um sistema “linha-de-montagem” de profissionais. No Brasil, ainda dá tempo de lutarmos por uma educação pública de qualidade.

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