O mundo do design perde o gaúcho, José Bornancini parceiro de anos de Nelson Ivan Petzold , com o qual desenvolveu mais de 200 produtos, sendo um dos mais marcantes a linha de Tesouras Mundial Ponto Vermelho. Bornancini tinha 85 anos. (Design-se)
Todo mundo sabe que um dia vai, mas não deixa de ser triste. Segue aqui mais informações para quem não conhece o profissional e uma pequena homenagem.
Bornancini teve um trabalho fortemente vinculado ao uso de novas tecnologias industriais, tendo desenvolvido mais de 200 produtos, de computadores a tratores, de tesouras a garrafas térmicas, passando por móveis, fogões, elevadores e brinquedos. Suas obras têm presença assegurada nas exposições e publicações de design das últimas décadas, como os Talheres Camping, que fazem parte da coleção permanente do MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York. (Rede Gaúcha de Design)
Uma grande atitude da APDesign foi honra-lo ainda em vida, inclusive com a criação do Prêmio Bornancini de Design, que terá sua segunda edição este ano.
Alguns produtos: Jogo de talheres infantil da Hércules, o garfo é um principezinho, a colher uma princesinha (que não está na imagem) e a faca um cachorrinho; tesoura da Mundial 4 ases que atende destros e canhotos com seu cabo emborrachado, garrafa térmica Termolar de 5 litros, garrafa térmica que não respinga o café e o jogo de talhres de camping.
Hora da histórinha…
Aconteceu em 2004 no meu primeiro evento de Design, o N de Santa Maria. Estava no meio do segundo ano, na época o Requião (governador do Paraná) estava ameaçando fechar o curso e eu ainda não entendendo muito bem o que estava fazendo na faculdade.
No auditório caixa preta aconteceu a palestra do Bornancini e Petzold , e daí eu fiquei bobo.
A tesoura da Mundial: minha mãe é costureira, não de brincadeira, ela sempre trabalhou nisso, desde os 13 anos. Os dedos dela tem calos que são muito peculiares, causados pela tesoura. Não, não tô fazendo uma crítica ao trabalho deles (até pq depois eles fizeram o projeto da tesoura emborrachada justamente por esse motivo). Pra mim o incrível é q minha mãe tem olhos castanhos, cabelo cumprido e calos nos dedos, sem calos não é minha mãe. Entende? O produto fez parte dela, era ponto chave da atividade que dava sustento pra gente, isso é muito loco!
Daí a garrafa da Termolar. Ela foi desenvolvida para o público de alta renda, que acampa, vai pescar e afins. Acontece que ela despontou em vendas com uma camada mais pobre da população, especialmente os bóias-fria (q se hj tem uma péssima situação, imagine 30 anos atrás). Mesmo sendo um objeto caro valia a pena se juntar e fazer uma vaquinha para poder ter água fresca a disposição o dia todo. Sacaram? O produto seguiu o seu caminho e se tornou um sucesso tão grande e de tanta importancia pra própria marca Termolar que quando a patente prescreveu e outras industrias começaram a fabricar o modelo sem pagar direito algum, eles entraram com um processo e venceram, pq o produto estáva plenamente vivo no mercado e representava um ícone da marca, como a garrafa da coca-cola por exemplo.
Agora o que me derrubou mesmo. O jogo de talheres da Hécules, aquele da princesinha. Eu simplismente não lembro de ter tido esses talheres, pelo menos não tenho nenhuma lembrança bem consciente assim. Mas no momento em que a foto apareceu na tela eu simplismente reconheci, uma coisa doida, mais ou menos como quando vc passa anos sem ver alguém e quando se depara com a pessoa ela simplismente lhe é familiar. É sério, uma coisa muito estranha.
Nessa loucura toda caiu uma ficha que ainda não tinha caido. O quanto um designer de produto influencia na vida de uma pessoa. Pensa. Aqueles caras que estavam falando tinham garantido água fresca para trabalhadores ignorados, melhoraram a situação de trabalho de um sem número de costureiras e pessoas comuns que cortam algo de vez em quando (quem não tem uma tesoura 4 ases?) mais o mais loco, acho que quando eu era criança tinham mais convívio com os produtos desses caras do quem com, sei lá, boa parte da minha família.
Sente a doidera?
Quando a palestra acabou eu falei disso e perguntei se eles tinham idéia disso, do quanto eles participavam da vida de tanta gente, quando o Nelson respondeu ele pareceu não ter entendido bem a minha doideira, repeti a pergunta, mas daí percebi que eles realmente não tinham essa noção (pelo menos não pareceu). Acho que só o Barão sacou e minha viagem lá.
Naquele dia foi que eu realmente finquei o pé no design de produto, antes eu até pensava em dar uma bandeada em gráfico, mas depois dessa eu simplismente nunca mais vi graça em ilustração e coisas do tipo, o objeto, o palpável e as relações das pessoas com esses objetos viraram o centro das minhas idéias.
Se hj eu sou designer e tô escrevendo isso aqui é sob grande influência de Bornancini e Petzold, com toda a certeza.
Nelson Petzold (esq.) continua em Porto Alegre epelo que sei ainda projetando.
Deixo aqui os meus pesares para toda a família, amigos e comunidade do Design como um todo.
Agradecimento ao Guilherme (UFRGS) pelos links.