Dê um pulinho no seu mercado favorito e repare na sessão de bebidas. Mais especificamente, na de vinhos. Lá você vai encontrar os nacionais, os importados, os sangues de boi da vida e, dependendo do lugar, os vinhos de sangue azul. Preços? Vão desde os R$ 5,00 até bem mais de R$ 500,00. Dependendo de onde você esteja, mais de R$ 1.000,00! Tem gente que gosta do “vinho docinho” e há quem torça o nariz para isso. Tem que entende e dá valor à acidez do vinho, só tomando os rascantes (por favor, “vinho seco” é vinho em pó). Os que gostam de vinhos nobres tentam convencer os que gostam de vinhos doces que aquilo não presta e que eles deveriam educar o paladar. Os que gostam de vinhos doces retrucam que os rascantes são muito ruins e que preferem o garrafão da cantinha do Seu Antônio. Um grupo sempre vai torcer o nariz para o outro e seus gostos, ainda que por vezes alguns da turma do vinho doce acabem mesmo passando a gostar dos vinhos nobres.
Ok, ok, tio? Mas o que diabos isso tem a ver com design?
Tem a ver que eu nunca vi uma vinícola francesa dizendo que as vinículas sulamericanas que produzem vinho de R$ 5,00 deveriam começar a cobrar R$ 50,00 por garrafa para que o mercado se mantenha competitivo. Mas no mundo do design todo mundo parece achar que é assim que a famigerada banda toca.
Vamos continuar com os vinhos.
A Vinícula Aurora começou sua história com vinhos de baixa qualidade, voltados para o povão que não tinha nem grana nem interesse em pagra um preço alto por um vinho realmente bom. Mas também, desde quando uma vinícula brasileira iria concorrer em qualidade com outras? Nunca tivemos nem solo, nem clima, nem varietais que permitissem isso. Aqui só dava mesmo para fazer vinho de baixa qualidade. E fazíamos. E vendíamos.
Mas com o tempo, a situação econômica foi melhorando. A Aurora foi crescendo e estabelecendo mercado. Aos poucos foi pesquisando microclimas com solos adequados, foi importando mudas de parreiras, foi refinando seu processo de fabricação. Como consequência, foi melhorando a qualidade de seus vinhos. Essa melhora foi resultado de investimentos em pesquisa e aprimoramento de maquinário. Custou caro e deu retorno. Hoje a Aurora produz vinhos de ótima qualidade, elogiados por sommeliers e enólogos por todo canto. Claro; são vinhos bem mais caros, na faixa de R$ 50,00. Dez vezes o preço da que podemos chamar de “linha popular”. Que eles ainda produzem e, se me perdoam o trocadilho, vende como água. Ou vocês acham que eles seriam bobos de deixar de ganhar dinheiro com essa faixa de mercado? Em uma estratégia básica, lançaram o selo “Aurora Reserva Especial” para seus vinhos caros e mantiveram o “Aurora” para os populares.
Voltemos ao design.
No mercado de trabalho encontramos aqueles designers que fizeram cursos universitários, politécnicos ou buscaram uma formação teórica para com esse conhecimento poder desenvolver ? de acordo com seu talento individual, claro ? trabalhos de alto nível conceitual e formal. Temos também os profissionais que buscaram um conhecimento profundo das ferramentas com cursos em Corel, Illustrator, Photoshop, 3D e outros, ou futucando a internet horas a fio atrás de tutoriais e apostilas, onde aprenderam. Há quem goste de chamá?los micreiros mas eu acho o termo pejorativo e prefiro chamá?los de técnicos em design, que geralmente fazem excelentes trabalhos, também de acordo com seu talento individual, mas normalmente com falhas conceituais e formais.
Questão: todo cliente precisa de um trabalho com alto grau conceitual e formal? Porque esse alto grau tem um custo advindo do investimento feito por quem se preparou para obtê?lo. E temos de lembrar também que o objetivo do design nem sempre é o cliente mas na maiora das vezes o cliente do cliente.
Se a Vinícula Aurora tivesse começado a oferecer seus vinhos da linha Reserva Especial a preços populares ela estaria educando o gosto popular para vinhos? Não, isso é ilusão. E uma ilusão arrogante pois parte do princípio que quem gosta de vinhos doces está errado. Da mesma forma que achar que fazer trabalhos de design sofisticados para um público que não tem visão para os detalhes desse trabalho não é educar o olho do público: é empurrar goela abaixo algo que esse público não apenas não quer pagar como não quer receber.
Os pequenos escritórios de design baseados em trabalho técnico, o birô que oferece serviços de design e outros da mesma linha, que trabalham com preços populares existem justamente para atender essa demanda de um público que não faz a menor questão de ter uma identidade visual sofisticada, com todas as leis da Gestalt em ordem.
Esse cliente quer um designer? Segurem os egos, crianças: não, ele não quer. O que ele precisa é de um bom e competente técnico em design. Ele quer algo que lhe dê uma identificação visual junto a seu próprio público, dentro de uma linguagem visual cultural própria, sem se preocupar com cores Pantone ou equilíbrio de forma. E quer pagar exatamente pelo que ele precisa que seja feito. Nós, designers, não apenas somos inúteis para ele como muitas vezes seremos mesmo um estorvo.
Profissionais de outras áreas onde existe essa diferença entre o “nível superior” e o técnico sabem que experiência excelente é trabalhar ao lado de um técnico competente. Equipes assim geralmente realizam trabalhos de altíssima qualidade tanto técnica quanto teórica pois agregam os dois mundos. Mas, por algum motivo que eu não entendo a simples menção a “trabalho em equipe” parece dar verdadeiras crises de angina na maioria dos designers; com um técnico, sabendo que ele está no mesmo nível que você, então, chega a ser impensável.
Então, pessoal, aprendamos a meter nossas sacrossantas violas no saco para não darmos no saco alheio. Vamos parar de querer transformar técnicos em design em designers na marra. Se eles quiserem ser designers podem ser por decisão própria (e com o conhecimento que têm provavelmente serão excelentes designers). Se eles querem ocupar o nicho de mercado de quem não precisa de designer mas sim de técnicos, então estão mais do que certos em serem técnicos e bons no que fazem. Designers deveriam aprender a trabalhar com os técnicos e não contra eles. Aprendamos a olhar esses birôs e estúdios técnicos não com cara de nojinho ou como ameaças à profissão mas como parceiros valiosos com quem podemos trabalhar de igual para igual.
Cada um de nós, sozinho, atende a um mercado específico, com necessidades específicas. Em conjunto, todos podem ter mais oportunidades de crescimento profissional. E pessoal.
E lembrem?se: se for dirigir, não beba; mas se for beber, me chame.