Acontece mais vezes do que eu gostaria, mas quando vejo um trabalho gráfico grotescamente desalinhado, com proporções erradas e um indisfarçável desprezo pela ergonomia, é comum ouvir o seu orgulhoso autor (profissional ou estudante) declarar que ficou assim porque ele é inovador e gosta de quebrar as regras.
Quebrar as malditas e famosas regras, além de ser podre de chique, ainda nos dá uma maravilhosa sensação de transgressão. Quem não gosta?
Pois então. O negócio é que quebrar regras (pelo menos as do design), não é tarefa para amadores. Não basta cortar o cabelo no melhor estilo emo e sair arrastando o mouse descontroladamente para achar que está dando sua contribuição pessoal contra o mercado, culpado de todos os males da humanidade, da caspa aos bugs do CorelDraw.
Para mim, o tal infrator deveria ter pelo menos um histórico mínimo de convivência com as tais regras antes de assassiná-las alegremente. Deveria conhecer seus hábitos, costumes, dificuldades, crises. Ser confidente, parceiro e cúmplice dos conceitos. Freqüentar as entranhas da semiótica, ser amante contumaz da teoria das cores, jantar todas as noites com a ergonomia, dançar agarradinho com a gestalt, participar de orgias com a tipografia, tudo isso sem perder de vista as proporções e os alinhamentos, normalmente mais ariscos. Falo de contato diário mesmo, de sentir o hálito, íntimo de enjoar. Até que, com o tempo, a relação se desgastaria e o designer-inovador resolveria dar um chega-pra-lá fatal nessa galera espaçosa.
Um crime sim, mas plenamente justificado pela paixão, pela fadiga, por um propósito, pela libertação. De preferência, quebrar o pescoço de uma por uma em projetos alternados (regricídio em massa é para ditadores surtados). Melhor quanto mais premeditado, mais sutil, mais noir, mais cheio de graça. Ataques vulgares de peixeira não cativam o público (nem os clientes). Para crimes elegantes é preciso cultura e sangue-frio.
O que mais se vê, infelizmente, é designer matando a pauladas perfeitas estranhas, regras que ele nunca viu antes (ou não se lembra). Sujar as mãos para dar um fim cruel a desconhecidas, vamos combinar, carece de um mínimo de dignidade, né? Um verdadeiro barbarismo para quem se diz profissional. Se o sujeito não conhece as vítimas, então elas não lhe incomodam, não existem para ele. Como é possível então quebrá-las, amassá-las, picá-las, estraçalhá-las ou o que for?
Tipos assim não quebram regras. O ar blasé, na verdade, esconde uma profunda ignorância das coisas do mundo em geral e da sua profissão em particular. Puro blefe.
Comigo esse papo de quebrar regras não pega não. Além do mais, detesto covardes.
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br