Vira e mexe, nas minhas palestras, alguém fatalmente acaba me perguntando como resolver o problema da concorrência desleal entre designers e micreiros. Os designers estudam, pesquisam, fazem tudo direitinho, mas acabam perdendo a vez para aquele pessoal que faz qualquer coisa por um preço bem baratinho. E o cliente, esse ser desprovido de qualquer juízo e bom senso, ignora toda a competência do dr. designer para contratar um mané qualquer que sabe mexer no Corel. Como resolver esse nó?
Bem, vamos tentar entender porque isso acontece. Partindo do princípio que o cliente não é totalmente burro e nem tem uma predileção especial por trabalhar com gente incompetente, eu diria que ele contrata o micreiro simplesmente porque não consegue perceber a diferença entre esse sujeito e um designer de verdade. Então, como de bobo o cliente não tem nada, ele faz como eu, você e toda a torcida do Flamengo numa situação dessas: contrata o mais barato.
Além disso, o micreiro tem outra vantagem: ele faz exatamente o que o cliente quer. Se o dono da padaria quiser uma marca gráfica toda cheia de degradês e efeitos especiais, o mané capricha e coloca em prática tudo o que sabe de Photoshop. Se o sócio do restaurante quer usar os desenhos da filha de 5 anos como marca d´água no folder do estabelecimento, não tem problema. Para o micreiro não tem crise, ele faz tudo na maior boa vontade (e por um preço bem baratinho, não se esqueça). O cara é tão boa gente, como competir com um tipo desses?
Boa parte dos designers resume sua pró-atividade fazendo cara de nojo e colocando a culpa no ignorante do cliente. Aha, eis a palavrinha-chave: ignorância. Sim, concordamos que o cliente merece esse adjetivo, mas ignorância não é crime. Ninguém tem obrigação de conhecer semiótica, teoria das cores, técnicas de composição, leis da Gestalt e o impacto disso tudo no trabalho que está sendo feito. Só o designer, é claro. E aí é que ele se diferencia do micreiro. O designer pode (e deve) explicar para o cliente, da maneira mais didática possível, porque é que usar 4 tipos diferentes de fontes tipográficas em um cartão de visitas pode não ser uma boa idéia. E tudo isso usando os termos certos, sem petulância e ar de enfado. O designer deve explicar também a interpretação semiótica de todos os elementos que ele colocou no projeto gráfico, justificando o porquê de cada coisa estar ali. Deve considerar que o cliente tem um olhar diferente do seu, e às vezes é possível combinar esses olhares numa solução interessante sem ofender seu senso estético. Deve saber defender muito bem o conceito de uma marca sem se sentir pessoalmente ofendido com perguntas ou questionamentos. Se o palpite do cliente é furado, explique para ele, sem esbravejar, o impacto que aquilo terá sobre a percepção do consumidor e como pode prejudicar o seu negócio. Enfim, o designer, além de saber muito e se comunicar bem, deve ser um grande negociador.
Ao documentar as reuniões, escrever um briefing bem feito, cumprir os prazos, primar pela pontualidade e pela qualidade nas apresentações, sempre entregar o que prometeu e explicar detalhadamente cada parte do seu trabalho, o designer estará com certeza se diferenciando do micreiro. Qualquer um da tocida do Flamengo consegue ver a diferença. O designer cobra mais porque sabe o que está fazendo, seu trabalho vai fazer diferença no negócio. Ele faz por merecer cada centavo.
Mas está cheio de designer com diploma que acerta tudo de boca, não explica seu trabalho direito, mal sabe contextualizar o que fez, não entende nada de teoria das cores e muito menos de semiótica, atrasa todas as entregas e senta com a perna aberta mascando chicletes falando “tipo” a cada três palavras. Comporta-se como um artista temperamental, tudo o que faz é na base da intuição. Método projetual ele desconhece, fez assim porque achava que ficaria legal. Esse sujeito fica ofendidíssimo ao ser confundido com um micreiro. Talvez o figura não saiba, mas ele realmente é um micreiro.
E tem micreiro (são poucos, é verdade) que anota tudo direitinho, faz contrato, estuda as opções, é pontual, tenta resolver as necessidades do cliente, lê vários livros sobre o assunto, sabe conceituar o que fez, cumpre sempre o que prometeu. Esse profissional acha que é um designer, e é mesmo.
Mais do que a formação acadêmica, a diferença entre o designer e o micreiro está na atitude profissional.
Além disso, não se pode ignorar a diversidade do mercado. Há clientes para micreiros e há clientes para designers. Tem lugar para todo mundo, sem crise. Já dizia um amigo meu que os competentes se reconhecem mutuamente. Eu concordo.
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br