Notice: A função add_theme_support( 'title-tag' ) foi chamada incorretamente. O suporte para o tema title-tag deve ser registrado antes do gancho wp_loaded. Leia como Depurar o WordPress para mais informações. (Esta mensagem foi adicionada na versão 4.1.0.) in /home/design/public_html/wp-includes/functions.php on line 6031

O design gráfico e o preconceito: quando as palavras alimentam a discriminação

O objetivo desse texto é demonstrar que, embora condenem publicamente o preconceito, muitos designers gráficos agem de forma preconceituosa, quando tentam definir verdades absolutas sobre o jeito “certo” de falar algumas palavras usadas na sua profissão. Acerca disso, Marcos Bagno, autor do livro Preconceito Linguístico (2007), afirma:

“Parece haver cada vez mais, nos dias de hoje, uma forte tendência a lutar contra as mais variadas formas de preconceito, a mostrar que eles não têm nenhum fundamento racional, nenhuma justificativa, e que são apenas o resultado da ignorância, da intolerância ou da manipulação ideológica. Infelizmente, porém, essa tendência não tem atingido um tipo de preconceito muito comum na sociedade brasileira: o preconceito lingüístico. Muito pelo contrário, o que vemos é esse preconceito ser alimentado diariamente em programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e revista, em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que é “errado”…” (o grifo é meu)

No nosso caso, o preconceito linguístico se manifesta entre designers gráficos que afirmam que usar a palavra “logo-marca” é errado, mas que o certo é usar “logo-tipo”, que “tipo-logia” está incorreto, e que o certo é “tipo-grafia”, ou que ao invés de usar “metodo-logia”, deve-se utilizar apenas “método”, e assim por diante, numa batalha sufixal que tenta definir como devem terminar as palavras.

Mas o que é um preconceito? Segundo o Portal Saúde-Rio (2007), é “uma opinião que se emite antecipadamente, sem contar com informação suficiente para poder emitir um verdadeiro julgamento, fundamentado e raciocinado. Ao contrário do que se possa pensar, são opiniões individuais. Em geral, nascem da repetição irrefletida de pré-julgamentos que já ouvimos antes mais de uma vez”. (o grifo é meu).

O preconceito gera a discriminação, que é o “tratamento desfavorável dado arbitrariamente a certas categorias de pessoas ou grupos, que pode ser exercido de forma individual ou coletiva” (International Encyclopedia of the Social Sciences).

Portanto, quando designers gráficos desqualificam outras pessoas ou designers porque eles usam essa ou aquela palavra, mas sem ter uma base fundamentada para isso ou informação suficiente, baseando-se apenas em opiniões que ouviram várias vezes, eles estão sendo preconceituosos e praticando a discriminação.

Alguns designers ouvem outras pessoas dizerem “logomarca”. Em seguida, já imaginam “xiii, coitado, esse daí não sabe o que diz, no mínimo estudou numa faculdadezinha do interior” ou diz pra si mesmo: “que pessoa ignorante, não sabe que essa palavra não tem significado nenhum”. Ou ainda classifica o outro designer como sendo inferior e não tendo o direito de pertencer ao grupo dos designers “profissionais” e competentes. Essa idéia reflete o que diz Rodrigues (1999): “Quase sempre, temos uma valorização positiva do nosso próprio grupo, aliado a um preconceito acrítico em favor do nosso grupo e uma visão distorcida e preconceituosa em relação aos demais.”

Ele ainda afirma: “…dá status falar “corretamente”, na idéia ingênua de que a língua dita culta é uma ponte para a ascensão social. Quem não domina a variante padrão é marginalizado/a e ridicularizado/a: na hora de preencher uma vaga profissional, num concurso vestibular, numa situação de conferência, na escola.” (Rodrigues, 1999) (o grifo é meu).

Numa tentativa de justificar a superioridade de uma palavra sobre outra, não faltam esforços. Talvez o mais emblemático seja o texto “Logomarca, por quê?” (http://migre.me/3s7cY), escrito e publicado por Ana Luisa Escorel no livro “O efeito multiplicador do design”. Só que ao invés de “multiplicar” conceitos éticos fundamentados, esse artigo multiplicou apenas as crenças próprias da autora, e dividiu as pessoas a partir do preconceito linguístico. Talvez a autora não tenha culpa pelas aberrações que fizeram com o texto dela, já que no prefácio ela deixa muito claro que os seus artigos  tem “caráter mais pessoal”, “abordados por um viés identificado com convicções”. Obviamente a autora tem o direito de dizer o que pensa (por exemplo: “logomarca não significa nada”), mas existe uma distância muito grande entre dizer algo e isso ter algum tipo de fundamento válido, a ponto de ser repetido quase como um dogma, um axioma.

Nesse texto, Escorel (2004) emite opiniões pessoais que desqualificam os brasileiros. Segundo ela, o termo logomarca é fruto de uma invenção brasileira e que essa invenção não tem mérito nenhum, já que “não se vai para o paraiso só porque se é inventivo”. Ela argumenta ainda que se inventar fosse uma coisa boa, o Diabo estaria salvo, pois ele também costuma ser engenhoso.

No entanto, embora a autora imagine que a palavra “logomarca” tenha sido inventada no Brasil, não é o que aconteceu, pois se assim fosse, ela já não existiria em outro idioma, conforme é indicado por Sebastiany (2009). O que nós fizemos foi no máximo emprestar a palavra dos ingleses, no processo que os linguistas chamam de “apropriação” (borrowing) (http://migre.me/3s7bJ).

Continuando no seu menosprezo aos brasileiros, Escorel (2004) ainda condena a maneira como os pais dão nomes a seus filhos, dizendo que esse comportamento reflete “um gosto duvidoso”. Esse pensamento reflete o preconceito linguístico de quem acha que existe o jeito “certo” de se falar ou usar as palavras, de se criar ou usar nomes.

O texto de Escorel (2004) foi re-publicado e citado inúmeras vezes em outros blogs e artigos. Tomando o texto dela como ponto de partida, plagiando o argumento da autora, um outro texto foi escrito por Gilberto Alves Jr. (2002), chamado “Logomarca: um erro” (http://migre.me/3rzl7), publicado numa comunidade de designers gráficos online, de alta visibilidade. Além de também servir de base para o preconceito linguístico, o texto é uma coleção de argumentos confusos e simplistas, que cometem o erro de encarar algo complexo como se fosse muito simples.

A seguir é possível ler o argumento central do seu texto:

“O termo logomarca é formado pela união de “Logo” e “Marca”.

Logo, vem do grego Lógos. Significa palavra, uma narração ou pronunciamento, verbo, conceito, idéia. Mas não palavra como esta é falada ou escrita, mas o significado dela, ou seja o conceito. “

“Marca, vem do germânico Marka. Quando traduzimos do germânico, ou mesmo do português ou inglês para o latim temos o termo Signum, que traduz-se claramente para significado. E mesmo no português, e no uso moderno da palavra marca significa tudo aquilo que uma empresa representa. Sendo assim, logomarca é um termo redundante: significado do significado. Assim vemos porque não podemos utilizar este termo para falar sobre um Logotipo.”

No seu texto, Alves Jr. (2002) dá a entender que logomarca é uma palavra “errada” (e portanto todas as pessoas que a utilizam ao invés de “logotipo” cometem “um erro”). No entanto, isso se baseia numa premissa inválida. Segundo ele, a palavra “logomarca” se originou da união entre duas palavras (“logo” e “marca”). Essa afirmação é simplista, baseada em pura especulação. Ele não cita nenhuma fonte para esse argumento e demonstra desconhecimento sobre outros processos de formação das palavras além da composição (como derivação, hibridismo, fusão, reuso, abreviações, acrônimos, afixação e apropriação). E demonstra desconhecer a origem da expressão “logo mark” utilizada na língua inglesa. Mas o termo “logomarca” não é invenção de brasileiros, é uma expressão utilizada fora do Brasil (“logo mark”) e que faz parte do idioma inglês, sendo plenamente compreendido e aceito inclusive por escritórios de registro de marcas (http://migre.me/3rDZu) e advogados que costumam ser muito preocupados com a precisão dos termos que utilizam.

Além de especular sobre a origem da palavra, Alves Jr. (2002) ainda afirma que a palavra “marca” vem do alemão “marka”. Daí, num rodeio inexplicável, ele traduz do alemão para o latim, chega na palavra “signum” e daí conclui precipitadamente que “signum” traduz-se para “significado”, IGNORANDO completamente os demais sentidos que a palavra pudesse ter, distorcendo o sentido conforme sua conveniência.

Para entender melhor essa confusão, podemos fazer uma análise isolada da palavra “mark”. O Dicionário Etimológico Online (www.etymonline.com) traz as seguintes definições sobre o termo e sua origem:

“trace, impression,” O.E. mearc (W.Saxon), merc (Mercian) “boundary, sign, limit, mark,” from P.Gmc. *marko (cf. O.N. merki “boundary, sign,” mörk “forest,” which often marked a frontier; O.Fris. merke, Goth. marka “boundary, frontier,” Du. merk “mark, brand,” Ger. Mark “boundary, boundary land”), from PIE *mereg- “edge, boundary” (cf. L. margo “margin,” O.Ir. mruig “borderland”). The primary sense is probably “boundary,” which had evolved by O.E. through “sign of a boundary,” “sign in general,” “impression or trace forming a sign.” Meaning “any visible trace or impression” first recorded c.1200 (http://migre.me/3rGGl).

Segundo esse dicionário, “mark” teve diversas origens, como o West Saxon, Mercian, Old Norse, Old Frisian, Gothic, Proto-Indo-European e Old English, ou seja, não tem origem apenas alemã. Além disso, o sentido básico da palavra é “limite que demarca uma fronteira”, que depois evoluiu em cerca do ano 1.200 E.C. para “qualquer traço visível ou impressão”. Traduzindo marca em alemão (“marke”), ela pode significar “emblema, etiqueta, selo, carimbo, um sinal visível que indica uma altura, nível de água, o nome de um produto ou empresa” (http://de.wikipedia.org/wiki/Marke).

Portanto, fica a pergunta: de onde foi que Alves Jr. (2002) tirou essa idéia de que marca significa PURA e SIMPLESMENTE “significado”? Por que ele ignorou outros sentidos possíveis para a palavra que servem perfeitamente para expressar o fato de que ela pode ser uma manifestação visível/perceptível de uma idéia (“logos”)?

Outra coisa que não tem fundamento é desqualificar a palavra logomarca dizendo que ela é um pleonasmo (chegou-se ao ponto de apresentar esse preconceito em forma de gráfico http://migre.me/3s75d). Se “logo” significa “conceito” e “marca” pode significar “sinal ou manifestação visível”, a palavra não tem nenhum defeito semântico, sendo suficiente para indicar um “elemento visual de identificação”. Portanto a afirmação de que o sentido da palavra logomarca é SOMENTE “significado do significado” é falsa.

Vale lembrar ainda que continuar divulgando e reforçando textos completamente tendenciosos, imprecisos e especulativos, como esses que condenam o uso da palavra “logomarca”, serve para alimentar uma atitude preconceituosa e discriminatória entre os próprios designers, um comportamento que é facilmente verificável numa visita a um fórum de discussão online, nos comentários dos blogs de design gráfico, em artigos publicados e mais recentemente no twitter também (http://migre.me/3s79Y). Ao invés de ficar rebaixando ou menosprezando outros designers que não usam o termo que pessoalmente se acha “certo”, eles deveriam refletir se isso vale a pena.

Enfim, nem sempre o que se considera como “verdade” realmente é. Devemos combater o efeito multiplicador da ignorância e entender que não somos superiores a ninguém. Obviamente temos o direito de nos expressar e defender o que julgamos ser correto. Mas não temos o direito de considerar os outros como sendo inferiores a nós por puro preconceito. Ao invés de travar combates ao redor de palavras, os designers devem se unir e perceber que tem mais coisas em comum do que diferenças.

“Tenho-me esforçado por não rir das ações humanas, por não deplorá-las nem odiá-las, mas por entendê-las” – Baruch Spinoza, filósofo holandês

Referências

Alves Junior, Gilberto. (2002) Logomarca: um erro. Disponível em http://migre.me/3rzl7 . Acessado em 5 de janeiro de 2011.

Bagno, Marcos. (2007). Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola. 49ª edição.

Block, Walter E., and Michael A. Walker. 1982. The Plight of the Minority. In Discrimination, Affirmative Action, and Equal Opportunity: An Economic and Social Perspective, eds. Walter E. Block and Michael A. Walker, 6. Vancouver, BC: Fraser Institute.

“Discrimination.” International Encyclopedia of the Social Sciences. 2008. Encyclopedia.com. (January 5, 2011). http://www.encyclopedia.com/doc/1G2-3045300608.html

Escorel, Ana Luisa. (2004) “Logomarca: por quê?” in: O efeito multiplicador do design. Editora Senac. São Paulo.

Portal Saúde-Rio. Termos utilizados na luta contra o racismo. Disponível em http://migre.me/3rv9G. Acessado em 5 de janeiro de 2011.

Rodrigues, Fabio (1999). Preconceito lingüístico e não-lingüístico na escola/livro didático. Disponível em http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/p00003.htm. Acessado em 5 de janeiro de 2011.

Sebastiany, Guilherme (2009). Logomarca? Porque sim e porque não. Disponível em http://migre.me/3rzJk . Acessado em 5 de janeiro de 2011.

Publicado por Ricardo Martins

Ricardo Martins é professor de tipografia, metodologia visual, projeto de embalagens e design avançado de identidade visual da Universidade Federal do Paraná. Além de professor na UFPR, atua como designer gráfico freelancer desde 1993. É diretor institucional da ProDesignPR (www.prodesignpr.com.br), membro do Type Directors Club de Nova Iorque (EUA), da Sociedade Brasileira de Design da Informação (SBDI) e do Communication Research Institute, em Melbourne (Australia).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *