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Assim que terminar meu pretensioso livro sobre fracassos, já tenho uma nova e brilhante idéia: criar um livro sobre “pop-design”. Surgiu assim: Uma hora de enrolação no aeroporto de Manaus por precisar remarcar minha passagem para São Paulo, uma visita rápida a uma livraria, um olhar de revesgueio para a prateleira dos infames livros de “como-ascender-na-carreira-e-ficar-rico” e presto! Me surge uma Eisenbahn em meio às Kaisers: “Abaixo o Pop-Management!”, uma coletânea das colunas de Thomas Wood Jr na Carta Capital, pelo singelo preço de R$9,90. Se o título fez meu cérebro respirar feliz, o conteúdo equivaleu a uma injeção de meta-anfetamina atrás da orelha. ”Pop Management”, na concepção do livro, é a repetição constante de mantras da profissão por pessoas com preguiça de estudar coisas novas e/ou um profundo interesse em lucrar com as idéias alheias. No campo da administração isso gera um tremendo problema, visto que nunca duas empresas serão exatamente iguais (e portanto, receitas de bolo não existem!). John Kay, em artigo publicado em 2002 na The Economist (citado por Felipe Ribeiro), diz, por exemplo, que o best-seller “Quem Mexeu no Meu Queijo” é direcionado para leitores com 5 anos de educação escolar. Soa familiar?
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“Abaixo o Pop-Management” entrou merecidamente em segundo lugar na minha lista de livros de negócio prediletos. O primeiro (e incontestável até agora) segue com “Por Que as Pessoas de Negócios Falam Como Idiotas?” – aliás, outro forte candidato a ter uma versão para designers saindo de minhas maltraçadas linhas em breve.
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Os livros podem ter servido como lâmpadas, mas quem forneceu a eletricidade para a brilhante nova idéia foram dois artigos publicados recentemente neste mesmo blog. O primeiro é da coluna do Bob Wollheim no W News, publicado aqui pelo colega Fernando Galdino. O artigo é a expressão mais pura de um “Pop-Manager” em ação. A transmutação de um ser comum nessa praga de palestras motivacionais é fácil de entender. A administração é provavelmente a única área onde se pode seguir uma carreira escrevendo livros novos todo ano sobre exatamente o mesmo assunto, mudando apenas a ordem dos capítulos, e continuar vendendo milhões. Isto ocorre porque, apesar de haver muita gente fazendo pesquisa séria, a picaretagem domina com larga vantagem o mercado.
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O problema é que há algum gene empoeirado circulando nas nossas células que faz que continuemos atrás de alívio espiritual para as incertezas do cotidiano. Na prática, nós precisamos que alguém nos conte uma história bonitinha e diga que tudo vai dar certo no final (até a Xuxa já fez dessa, e magistralmente). Tom Peters escreve: inovação é a chave. Logo, dá-lhe mais e mais tratados anencéfalos sobre inovação estratégica. Dolabela escreve: empreendedorismo é a salvação. E dá-lhe “especialistas” sobre o assunto surgindo da noite pro dia. Muitas vezes nem é má vontade, é preguiça de estudar mesmo. De novo: soa familiar?
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O que leva ao segundo artigo, do prof. Ricardo Martins (sobre “deus-signers”). Este chegou até levantar certa polêmica, e explica com uma clareza enorme a versão “pop-management” do design – ainda que o autor nem cite a expressão. Pop-designers são os primos pobres dos pop-managers. Ambos tentam montar uma carreira baseada em sua própria inépcia (ou má-vontade) de conhecer novas idéias e reciclar seus conhecimentos. Designers com esse perfil estão em todo lugar. Quando não têm diploma, são rotulados de “micreiros” e marginalizados. E quando têm? Se design mata, como diz Ivens Fontoura, quem vai assegurar que tais personalidades e seus egos fiquem bem longe da sociedade civilizada? Da mesma forma como um leitor de Você S/A nunca será um executivo de sucesso justamente por perder tempo lendo Você S/A, um designer nunca será, de fato, um verdadeiro designer enquanto não perceber que as “estrelas” das capas das revistas de design são as exceções e nunca a regra – e os verdadeiros designers bem-sucedidos estão ralando e estudando, atrás de seus micros, para entregar para seus clientes e colaboradores nada menos do que a melhor solução possível. E não tem glamour nenhum nisso.
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Um exemplo bacana da contestação ao “pop-management” em toda sua frondosa plenitude é uma brincadeira infelizmente ainda pouco popular no Brasil chamada buzzword bingo. Funciona assim: em cartelas comuns de bingo, em vez de números, são anotados chavões do mundo corporativo, como “agregar valor”, “quebrar paradigmas”, “pensar fora da caixa”, “blue-sky thinking” e por aí vai. Durante uma palestra ou conferência, as cartelas (secretamente) são distribuídas, tornando o ato de sentar a bunda em uma carteira enquanto uma pobre alma lança palavras vazias ao ar (intercaladas com as clássicas tiradas à la Jerry Seinfield pra quebrar o gelo) muito mais divertida. A brincadeira, inclusive, virou tema de uma propaganda recente da IBM. Não é uma tremenda idéia para usarmos no design (especialmente nas salas de aula)?
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De “agregadores de valor” e “modificadores de paradigmas” já bastam os pop-managers. De designer megalomaníaco já tem o Hans Donner e tá bom demais.
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(Em tempo: O terceiro melhor livro de negócios na minha prateleira é O Restaurante no Fim do Universo, segunda parte da “trilogia de cinco livros” do Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams – mais precisamente o capítulo 32, que me lembra de praticamente todos as reuniões em fórums de design das quais já participei.)
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Luiz Fernando Pizzani é coordenador geral do Projeto Empreendedorargh!, uma iniciativa de cursos de curta duração, palestras e pesquisas itinerante sobre mercado de trabalho e empreendedorismo em design no Brasil. É bacharel em desenho industrial – projeto de produto pela PUCPR, pós-graduando em CBA de Gestão de Negócios pela Estação-Ibmec Business School e presta serviços de consultoria para empresas de design recém-formadas ou em fase de formação. É viciado em livros estranhos, cartazes bizarros, purê de batatas com legumes e encontros de design – não necessariamente nesta ordem.