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Regulamentação ou mudança cultural?

Na minha opinião, que enxerga apenas parte do problema e não tem a pretensão de ser uma verdade suprema, a regulamentação da profissão de designer esconde algumas armadilhas:

“Regulamentação resolve tudo”

Não, não resolve. Muita gente tem mania de ficar esperando que uma coisa chamada “governo” resolva tudo sozinha e que uma lei consiga operar milagres, como a mudança instantânea de uma cultura de produção e uso do design.

Vou citar um exemplo de como uma regulamentação não resolve nada sozinho, em outro campo, o da medicina:

Médicos prescrevem medicamentos usando uma receita médica. Só que muitos deles escrevem de forma incompreensível, levando a todo tipo de problemas, desde danos à saúde, até à morte do paciente. Problema sério, certo? Com uma lei que regulamentasse a escrita das receitas, tudo se resolveria, certo? Errado.

Médicos escrevem receitas difíceis de entender por uma série de fatores, que se não forem resolvidos em conjunto, dificilmente se irá resolver o problema.

Dentre os fatores que contribuem para que uma receita incompreensível cause danos aos pacientes, temos:

1. A formação dos médicos nas faculdades, já que não se ensina o jeito adequado de se produzir receitas. Logo, temos um problema na base do conhecimento médico, na própria universidade.

2. Não há uma lei ou padrão sobre como devam ser as receitas. A lei resume-se a dizer que elas devem ser “legíveis”, sem explicar o que é “ser legível”. Legível pra quem? O médico lê sua própria receita, logo, pra ele, ela é legível. Ou seja, uma regulamentação mal feita, não gera resultado nenhum. O próprio governo do Paraná criou uma lei exigindo que médicos escrevessem usando caixa alta, letra de forma ou de imprensa, e sabem o que aconteceu? Nada. Os médicos continuam escrevendo com letra cursiva, como fazem há séculos.

3. Depois de formados, médicos ganham mal (mesmo tendo sindicato, conselho federal de medicina, tabela de preços para procedimentos médicos etc.). Por isso, fazem várias jornadas de trabalho e ficam cansados. Precisam atender muitos pacientes para poder ganhar melhor, mas pra isso precisam ganhar tempo, e vão tirar o atraso nos procedimentos burocráticos, como escrever uma receita. Ela é escrita com pressa, e o resultado são as letras com formato irreconhecível.

4. Não bastasse tudo isso, as farmácias querem vender seus remédios, e isso não combina com a recusa de uma receita que ninguém entendeu. Mesmo não tendo certeza do que o médico escreveu, as farmácias querem vender de todo jeito, e aceitam as receitas, quer sejam compreensíveis, quer não.

Portanto, quando um paciente toma um remédio errado, ou na dose errada, ou na frequência errada, enfim, isso não é culpa da letra do médico. Isso é uma combinação de fatores, que começa com falhas na formação universitária, falta de leis claras que definam com precisão o que deve ser feito, baixos salários, necessidade de atender muitos pacientes com pressa e farmácias que querem vender de qualquer jeito, e só pensam no próprio bolso. Neste caso, das receitas, resolver a questão da regulamentação sem melhorar a formação dos médicos sobre este procedimento, sem melhorar as condições de trabalho, sem modificar o comportamento dos médicos e sem fiscalizar as farmácias, não vai impedir o problema das receitas incompreensíveis, que prejudicam pessoas.

Trazendo para o lado do design, criar uma regulamentação não vai resolver o problema dos baixos salários, da baixa valorização do design, falta de reconhecimento do papel cultural do design e da baixa qualidade do ensino do design nas instituições. Para que a situação melhore, é preciso uma mudança cultural, e esse processo é lento e exige um esforço planejado, não podendo depender do acaso e da sorte.

Um caminho possível, que foi adotado nos Estados Unidos, é o da criação de uma associação forte de designers profissionais, que não cobra diplomas nem faz provas de conhecimento para admitir novos associados (diferente do modelo europeu, que se parece com um club fechado, e exige aprovação de portfolio). Essa associação estadunidense chama-se AIGA, e foi fundada em 1914, numa sala com 20 pessoas. Hoje tem mais de 20.000 membros. Diferente do modelo de club (fechado, difícil pra entrar), a AIGA usa o modelo de hub, rede (aberto, fácil pra entrar, mais difícil pra ficar). Ao invés de fazer exigências na entrada, a AIGA cobra dos seus associados a obediência a um código de ética profissional.

Em troca dessa obediência, a AIGA oferece:

1.Apoio ao designer em todos os pontos da sua carreira, seja como estudante, recém formado ou designer com muitos anos de experiência.

2. Defesa do valor do design perante empresários, governo e sociedade.

3. Uma voz única, representativa do design, que fala em nome de todos eles, defendendo seus interesses quando necessário.

Para cada item citado acima, a AIGA desenvolve dezenas de programas e atividades, agindo diante de diversos públicos interessados, como os designers, profissões relacionadas, empresários, governo, sociedade civil. Através de diversas frentes de trabalho, o design deixa de ter apenas um nome chique, mas distante das pessoas, para ter uma voz e ser uma força cultural pró-ativa, que não simplesmente reage aos problemas, mas procura se antecipar a eles.

Para quem se interessar em saber mais sobre a associação, o site deles é www.aiga.com

Essa é minha contribuição para essa discussão sobre a regulamentação. Vale lembrar que eu não sou contra a regulamentação em si. Eu sou contra a visão de que ela será uma panacéia, e vai livrar os designers de se associarem e tomarem uma atitude PRÓ-ATIVA, em nível local.

Como disse Gandhi: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”.

PS: Foster, estou esperando você para o café 🙂

Publicado por Ricardo Martins

Ricardo Martins é professor de tipografia, metodologia visual, projeto de embalagens e design avançado de identidade visual da Universidade Federal do Paraná. Além de professor na UFPR, atua como designer gráfico freelancer desde 1993. É diretor institucional da ProDesignPR (www.prodesignpr.com.br), membro do Type Directors Club de Nova Iorque (EUA), da Sociedade Brasileira de Design da Informação (SBDI) e do Communication Research Institute, em Melbourne (Australia).

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