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Ricardo Martins é professor de tipografia, metodologia visual, projeto de embalagens e design avançado de identidade visual da Universidade Federal do Paraná. Além de professor na UFPR, atua como designer gráfico freelancer desde 1993. É diretor institucional da ProDesignPR (www.prodesignpr.com.br), membro do Type Directors Club de Nova Iorque (EUA), da Sociedade Brasileira de Design da Informação (SBDI) e do Communication Research Institute, em Melbourne (Australia).

Designers gráficos: salvem o planeta! (ou pelo menos a sua cidade)

“Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco.” – Edmund Burke.        As decisões tomadas pelos designers gráficos tem grande impacto ambiental, na medida em que afetam o uso de recursos materiais e naturais para o atendimento das suas necessidades de projeto e produção. Dentre esses recursos estão o papel, as tintas, os plásticos usados no projeto de peças gráficas e embalagens. Dentre os recursos naturais influenciados direta e indiretamente pela produção desses objetos, estão a madeira, a água, a energia, o subsolo, o ar, somente pra citar alguns.

Este trabalho pretende mostrar um breve panorama do uso atual irresponsável dos recursos naturais e depois discutir como os designers gráficos podem ajudar a usá-los de modo ecoeficiente.

Tintas

Há muito já se sabe do fascínio que o homem tem pela cor. Tentando imitar a natureza e sua abundância de cores, o homem extraiu pigmentos mineirais, sintetizou outros quimicamente, sempre com o objetivo de reproduzir a cor que ele aprendeu a apreciar na natureza.

Mas o uso da cor não é motivado apenas pelo fascínio que elas causam no ser humano. Cor vende, e vende muito. Sabendo disso, as empresas que conhecem o poder da cor e da imagem usam e abusam das cores em seus produtos, visando tirar proveito da atração que elas exercem sobre a emoção humana.

No entanto, a cor tem seu lado vilão. Para produzir cor, o preço que se paga é o dano à natureza, mais especificamente, à água, ao solo, ao ar e aos seres vivos.

Segundo o livro “50 pequenas coisas que você pode fazer para salvar a terra”, de acordo com as autoridades especializadas da cidade de San Francisco (EUA), a tinta de parede e seus assemelhados são responsáveis por 60% dos dejetos potencialmente poluentes lançados no meio ambiente por pessoas (não pelas indústrias). Estão incluídos nessa lista as tintas a óleo, os thinners, os solventes e os produtos para polimento. O pigmento que dá cor à tinta a óleo é produzido quase sempre a partir de metais pesados, como o cádmio e o dióxido de titânio.

Não apenas a tinta a óleo é tóxica; são tóxicos também os elementos a partir dos quais a tinta é produzida, além dos dejetos do processo de fabricação. Sempre que o dióxido de titânio é usado, por exemplo, resultam detritos líquidos, e este “lixo” contém ácido sulfúrico, metais pesados e hidrocarbonetos clorados.
Os americanos consomem 12 milhões de litros de tinta por dia, enquanto o consumo brasileiro é de aproximadamente 2,4 milhões de litros por dia.

A tinta usada em sacos plásticos (como sacolas de supermercado) contém cádmio, um metal pesado e altamente tóxico. Cada vez que um saco plástico impresso à tinta é incinerado, gases tóxicos são liberados na atmosfera. Com respeito ao uso da cor e vernizes em materiais impressos, isso torna sua reciclagem mais difícil.

Embalagens

Além da cor, outro objeto usado na sociedade e que tem impacto direto na questão ambiental são as embalagens. Seu uso pode ser benéfico a curto prazo, no entanto seu descarte tem implicações sérias na natureza, levando-se em conta os possíveis prejuízos causados ao ar na sua incineração, à água quando são jogadas em rios, aos peixes quando poluem seu habitat e os matam engasgados ao engolir plásticos, ao subsolo quando seus compostos químicos são depositados ali e permanecem por centenas de anos.

Em 1988, no Brasil foram distribuídos 80 mil toneladas de sacos plásticos e de papel. Quase 30% do plástico produzido nos EUA é usado em embalagens.
De cada 11 dólares que os americanos gastam em comida, 1 dólar corresponde à embalagem. Gasta-se mais na embalagem do que no pagamento aos agricultores pelos seus produtos.

A embalagem de isopor usada em alimentos é totalmente não-biodegradável. Ficará 500 anos sujando o planeta. O isopor também ocupa um volume alto em relação ao seu peso, congestionando ainda mais os lixões urbanos, já saturados.

No Brasil, são fabricadas 720 milhões de latas de alumínio por ano (510 mil toneladas de latas), mas apenas um terço disso é recuperado. A energia economizada com a reciclagem de uma única lata de alumínio é o suficiente para manter ligado um aparelho de televisão durante três horas.

Papel

Outro vilão silencioso na questão ambiental é o papel.
Os sacos de supermercado são feitos de papel virgem, não reciclado, porque os fabricantes afirmam que é necessário empregar papel de fibra longa, mais resistente, para o transporte de mercadorias mais pesadas. Isso implica em maior agressão ao meio ambiente, visto que exige árvores virgens. É preciso uma árvore de 15 a 20 anos de idade para se fazer apenas 700 sacos de papel.

Se fosse produzido papel a partir de papéis usados, o consumo de energia seria 50% menor do que se fosse produzido a partir de árvores virgens, o consumo de água seria 5.000% menor e a poluição do ar seria reduzida em 95%. O papel virgem poderia ser substituído pelo reciclado em vários produtos, sem comprometer a qualidade; porém, como no Brasil a demanda do papel reciclado é pequena, seus preços tendem a ser superiores aos do papel virgem. Desta maneira, sua produção não chega a ser comercialmente interessante. Infelizmente, no Brasil apenas 30% da produção anual de papel (4.700 toneladas) é reciclado.

Se o mundo reciclasse metade do papel que consome, 40 mil km quadrados de terras seriam liberados do cultivo de árvores para a indústria de papel.
Muitos ainda argumentam dizendo que a madeira é um recurso natural renovável e que todo ano são replantadas milhões de árvores. No entanto, ninguém diz que devido ao alto consumo de papel em todo o planeta, florestas estão sendo destruídas para em seu lugar serem plantados eucaliptos, utilizados na produção de papel. Porém, os eucaliptos absorvem muita água da terra, afetando o equilíbrio do solo. Isso pode causar erosão e danos ecológicos, pois incontáveis espécies de animais deixarão de existir com o fim das matas. Além disso, as árvores absorvem grande parte do gás carbônico presente na atmosfera; sem as árvores, o gás carbônico permanecerá no ar, contribuindo para o efeito estufa.

A degradação das florestas, visando a produção irresponsável de papel, afeta o equilíbrio biológico. Numa área de 6 quilômetros quadrados de floresta tropical é possível encontrar: mais de 750 espécies de árvores, mais de 1500 espécies de plantas que dão flor e podem servir como remédios (70% das plantas classificadas como indicadas para o tratamento do câncer só existem em florestas tropicais), 125 mamíferos diferentes, quatrocentos tipos de pássaros, cem répteis, sessenta anfíbios e inúmeros insetos, inclusive 150 tipos diferentes de borboletas. E apenas 1% dessas espécies foram estudadas!

Plastificação de impressos

Uma prática comum em capas de revistas e outros impressos gráficos é a plastificação que confere aspecto brilhante à impressão e aumenta sua resistência mecânica. No entanto, a presença de componente plástico nestes impressos dificulta a reciclagem na medida em que muitas vezes é quase impossível desvincular o plástico da celulose do papel.

Desperdício de papel nas empresas
Outro desperdício brutal de papel acontece debaixo do nariz de todos nós. 50% de papel é desperdiçado quando não se usa o verso do papel no momento das impressões, seja em impressoras a laser, a jato de tinta e principalmente em copiadoras xerox.

Anualmente os americanos jogam fora papel para datilografia e folhas pautadas em quantidade suficiente para construir um muro de 3,5 metros de altura e 4.500 quilômetros de comprimento.

Além desse desperdício evidente de papel, outros modos de desperdiçá-lo é na ocupação inconseqüente e desproposital de espaço nas folhas, em parte devido à ignorância no seu uso e falta da consciência sobre o impacto que isso tem no volume de papel necessário para cumprir tarefas documentais. Normas como a ABNT e outras, sugerem o uso de regras técnicas no que diz respeito ao uso de espaço nas folhas, como o espaçamento exagerado entre as linhas de texto, larguras de coluna desnecessárias, margens e tamanhos de letra superestimados, etc.

Como os designers podem usar os recursos de modo ecoeficiente?

Designers gráficos podem contribuir para o uso mais inteligente e ecoeficiente dos recursos por meio de 3 passos simples: desenvolvendo uma consciência do impacto ambiental causado pelas suas decisões, educando seus clientes e a sociedade para a importância do desenvolvimento sustentável e, logicamente, re-avaliando seus próprios processos, lembrando que design ecologicamente correto não implica em grandes decisões, mas pequenas escolhas feitas com consciência ambiental.

PRIMEIRO

Antes de apoiar o desenvolvimento sustentável, os designers gráficos tem que se convencer plenamente da urgência em defender o uso responsável e ecologicamente comprometido, criando uma auto-consciência sobre o assunto. Tomar decisões a favor do atendimento das necessidades presentes, levando em conta as necessidades futuras, muitas vezes significa comprar uma briga com interesses imediatistas. Se o designer não estiver pessoalmente convencido do impacto das suas decisões na questão do desenvolvimento ambiental, pode ser difícil colocá-las em prática, de modo efetivo.

SEGUNDO

Conforme diz o segundo capítulo do livro “PRODER-Especial: um vetor de sustentabilidade econômica em processos de desenvolvimento local integrado e sustentável”, um dos requisitos para esse desenvolvimento, sem o qual torna-se muito difícil realizá-lo, “é despertar a população para as possibilidades e para as vantagens de um processo mais solidário de desenvolver e aplicar estratégias de comunicação social e de marketing compatíveis”. Pode-se incluir nessa população, os empresários e clientes dos designers, e nas estratégias que precisam ser compatíveis, o design gráfico. O desenvolvimento sustentável, que leva em conta o impacto ambiental das atividades econômicas, depende de um processo que eduque sobre a importância da responsabilidade social e também ambiental, visando preservar o direito ao atendimento das necessidades das gerações que ainda virão.

TERCEIRO

O terceiro passo que os designers podem dar é a reavaliação dos seus processos e o questionamento das suas escolhas, julgando suas decisões atuais tendo um modelo ecologicamente ideal como referência.

A principal atividade do designer gráfico é a comunicação visual, que é a transmissão de mensagens visuais que podem se apoiar em diferentes suportes, como papel, plástico, madeira, materiais de relevância ambiental. Os designers ainda se valem de recursos gráficos que tem implicações ecológicas, como a plastificação e aplicação de vernizes em papéis, o uso de materiais não-biodegradáveis em embalagens e tinta com COV (componentes orgânicos voláteis). Outros profissionais de comunicação também abusam do uso do papel, desperdiçando-os de modo inconseqüente.

Cito abaixo algumas maneiras como os designers gráficos poderiam ajudar a reduzir os prejuízos decorrentes das suas decisões ligadas à prescrição e solicitação do uso de papel, plástico e tinta em seus trabalhos:

Tinta

Os designers deveriam usar a cor de modo responsável, somente nos lugares onde seu uso fosse imprescindível. Já foi provado que a cor tem grande influência persuasiva e efeito emotivo sobre o ser humano. No entanto, muitas pessoas usam cor pelo simples prazer de usá-la ou ainda porque é um recurso disponível e aparentemente não-prejudicial, o que é um engano. Muitos materiais com cunho meramente informativo seriam ótimos candidatos a terem suas exigências de cor revistas. Os designers devem aprender que a cor tem um preço  (poluição por metais pesados) e que, embora pago a longo prazo, não aceita calote.

Papel

Os designers aprendem que a única preocupação na escolha de formatos de papel é a financeira. Alguns formatos permitem um aproveitamento maior da área útil. Muitos designers escolhem esses formatos porque isso tem um reflexo no preço pago às gráficas e não porque usar menos papel é uma prática ecoeficiente.
Os designers também poderiam estudar maneiras de reaproveitar, por exemplo, o verso branco de materiais já impressos, seja para rascunhos, seja para novas impressões, como no caso de grandes cartazes que usam enormes áreas de papel e desperdiçam seu verso.
A impressão de documentos só na frente das folhas deveria ser questionada e repensada. É muito cômodo usar apenas a frente do papel, já que não é necessário virá-los para serem impressos no verso. Em apenas um ano 260 milhões de folhas tamanho carta são jogados fora nos EUA. Se o verso fosse usado, a economia seria de 130 milhões de folhas, sem contar a redução do volume ocupado pelos documentos, que obriga a construção de mais móveis e novamente mais consumo de madeira.
Os designers gráficos poderiam aumentar seu consumo de papel reciclado, de modo a reduzir o consumo de árvores virgens, o consumo de água dos rios, a poluição do ar.
Normas como a ABNT poderiam ser revistas sob o ponto de vista ecoeficiente, de modo a estipular regras alternativas que aproveitassem melhor o espaço nas folhas de papel. Ao invés de usarem linhas em apenas 1 coluna, com corpo 12 e espaço duplo, poderia se usar 2 colunas em muitos documentos, com corpo 9 em letras com altura-x equivalente a tipos de corpo 10, e com entrelinhas igual a 10,8 pontos, e se possível usar letras com dimensão horizontal reduzida e fazer a impressão em frente e verso, de modo a economizar espaço. Essa configuração mantém a legibilidade do texto e proporciona uma economia de espaço que pode chegar a 80% em alguns casos, como neste artigo, que nas normas da ABNT ocuparia 12 páginas e agora ocupa apenas 2. Também contribuiria muito para a economia de papel, a redução do número de palavras, obtida por uma redação mais concisa e que não procure impressionar pelo volume de texto.

Embalagens

O projeto de embalagens para acondicionamento de produtos deveria ser encarada pelos designers como uma atividade de grande responsabilidade. Seu uso deveria ser comedido e vinculado a interesses ambientais, atitude justificada pela redução dos riscos de contaminação e dano à ecologia.

Conclusão

São inúmeras as possibilidades de uso ecoeficiente dos recursos, considerando-se todo o ciclo de vida dos produtos, ou seja, sua criação, uso e descarte. Este é um excelente campo para estudo por parte de todos os profissionais, principalmente os designers gráficos cujas atividades tem tão grande relevância econômica e ambiental dentro do desenvolvimento sustentável.
Visto que este desenvolvimento deve ser local, as iniciativas regionais, partindo de pequenas regiões, ou pequenos grupos, podem ter reflexo positivo e crescente. Esperar que os outros façam sua parte primeiro, ou que apenas o governo e o Estado tomem a iniciativa, é tão ruim quanto achar que por podermos fazer só um pouco então não devemos fazer nada.
Alexander Manu, designer canadense e participante do grupo Design for the World, que defende o design socialmente responsável, prega que design social não é um privilégio para países desenvolvidos e que mesmo países em desenvolvimento podem praticá-lo, pois design social não se faz com idéias mirabolantes, mas sim nas pequenas decisões tomadas no dia-a-dia. Do mesmo modo, podemos dizer que o design ecologicamente responsável, base para o desenvolvimento sustentável, não se faz com grandes passos, mas com pequenas atitudes que podem contribuir e muito para a sustentabilidade.

Referências Bibliográficas

50 pequenas coisas que você pode fazer para salvar a terra. The EarthWorks Group. Editora Best Seller: 1989.
Franco, Augusto et alli. PRODER-Especial: um vetor de sustentabilidade econômica em processos de desenvolvimento local integrado e sustentável. SEBRAE Nacional, Brasília, 1999.

Curso para clientes: Como funciona a percepção visual

A percepção é um processo dinâmico que obtém dados dos sentidos do homem (tato, audição, visão, olfato, paladar), combina tudo isso com os dados da memória e do entendimento. A percepção existe mesmo nos menores seres vivos e desempenha um papel importante na sobrevivência deles. Sem a percepção o homem não teria como existir, pois é por meio dela que ele avalia o mundo ao seu redor e então toma suas decisões a favor da sua sobrevivência.

É a percepção que lhe mostra que a maçã está estragada, pois a casca está com manchas, e não deve ser comida. A percepção diz a hora em que devemos atravessar a rua, se devemos ou não colocar uma blusa para nos proteger do frio, se já é hora de acordar já que ouvimos tocar a campainha do despertador. Sem ela, duraríamos pouco tempo na Terra.

A percepção visual representa uma interface entre o cérebro e o meio ambiente. O sistema responsável pela visão é caracterizado por milhões de células que reagem detalhadamente a aspectos do que está ao nosso redor. Essa células nervosas respondem a cada componente da imagem como direção, grau de inclinação, forma, cor, através da ativação de áreas especializadas dentro do córtex visual. A tipografia está intimamente ligada ao sistema que analisa as formas, neste caso.

Embora a imagem seja “fatiada” em diversas partes, o cérebro não retira o significado em cima das partes isoladas. Ou seja, nenhuma análise é feita a partir apenas da forma, por exemplo. Percebe-se que já no processo da visão, tudo trabalha de modo relativo e interdependente. Um fator específico (digamos a cor) pode afetar todo os demais.

Dentro do sistema visual, várias partes trabalham de modo separado e ao mesmo tempo em harmonia com as demais, de modo a ativar a inibir certas respostas, e existe um contato contínuo entre essas partes. No dia-a-dia dos designers gráficos, é comum que os clientes solicitem mudanças nos desenhos e layouts, imaginando que isso não afetará todo o trabalho. Isso é um engano, pois todos os elementos de uma página ou item de comunicação são interdependentes. Mexer em uma cor, tamanho de um logotipo, posição na página, enfim, qualquer mudança, pode requerer que a página tenha que ser reajustada.

Como funciona a visão, passo a passo?

  1. O processo da percepção visual começa quando a luz atinge o ambiente ao nosso redor.
  2. Depois de atingir um objeto a luz é devolvida para o ambiente e então chega aos nossos olhos. Esse fluxo contínuo de luz, que chega à visão chama-se “matriz ótica”.
  3. A luz chega aos nossos olhos e é focalizada por meio de uma lente chamada cristalino. O foco faz com que a luz recebida seja concentrada no fundo dos nossos olhos, numa região chamada “retina”. A retina é composta por 126.000.000 (milhões) de receptores de luz, chamados de cones e bastonetes. Desse total, 120 milhões são bastonetes e apenas 6 milhões são cones. Assim, esses receptores podem receber simultaneamente até 126 milhões de matrizes óticas, inundando a visão com informações do mundo externo.
  4. Nossa visão procura dados e age baseada em informações que estão ao nosso redor. Isso explica porque os olhos se movem a todo instante. A visão não é um processo passivo, como poderíamos pensar. Ou seja, os olhos não são como uma pequena janelinha que deixa entrar luz quando está aberta. Eles participam ativamente no processo visual, dizendo qual deve ser a direção a ser olhada, em que posição, por quanto tempo, onde deve-se prender a atenção, etc.
  5. Depois que os receptores visuais da retina (cones e bastonetes) recebem o fluxo contínuo de luz, eles traduzem essa luz em impulsos elétricos que então serão encaminhados pelo nervo ótico para o Núcleo Geniculado Lateral (NGL) no cérebro.
  6. Esse Núcleo possui 6 camadas de células. As duas camadas mais inferiores, chamadas de camadas magno-celulares, são relacionadas com a percepção do movimento, profundidade e parte do espaço e geralmente agem primeiro detectando coisas que se mexem, a que distância elas estão e qual o contraste nas suas bordas. Antes mesmo de saber qual é a cor de um objeto, precisamos saber se ele está se mexendo (movimento), se está chegando muito perto (distância) e se parece ou não com algo perigoso (forma das bordas)
  7. Atuando em seguida, de modo mais lento, as 4 camadas que estão na parte mais superior do Núcleo são chamadas de camadas parvo-celulares que novamente se dividem em 2 caminhos responsáveis pela percepção da cor, forma e orientação espacial.
  8. As duas camadas do Núcleo Geniculado Lateral (camadas magno e parvo-celulares) ligam-se depois ao Córtex Visual Primário, também chamado de área V1. Essa área V1 é separada de outras áreas especializadas do córtex cérebral por uma área chamada V2. Juntas, essas duas áreas poderiam ser chamadas de “recepção”, o lugar que é encarregado de enviar os diferentes sinais para as áreas apropriadas e que participam nos demais processos de análise das informações visuais. Por exemplo, sinais relacionados a objetos que se movem ou cuja forma se modifica devem ser enviados para a área V3 e V5 para serem processados. A cor é enviada para ser processada na área V4.
  9. Além disso, no Córtex Visual, os impulsos elétricos recebidos a partir da retina são processados em milhares de módulos especializados, cada qual relacionado com uma pequena área da retina. Já nesse processo os dados visuais são diminuídos e compactados, de modo que o que está sendo analisado pelo cérebro não é uma “foto em miniatura” do ambiente. A imagem que está no cérebro num dado instante é apenas um mapa muito resumido que representa apenas as características mais significativas do que vemos e não uma imagem detalhada com cada pequeno fragmento.

Curiosidades sobre a percepção visual

Assim, a percepção não é baseada num contato imediato com o meio ambiente mas sim no contato com esse pequeno mapa resumido que “representa” o que chega aos nossos olhos. A imagem que está sendo processada na nossa mente guarda apenas os detalhes mais importantes do ambiente, aqueles detalhes que são suficientes para efetuar comparações e análises. As formas (incluindo as letras) que vemos não são pequenas miniaturas que chegam ao cérebro, mas apenas padrões simplificados que representam essas formas.

A visão não é simplesmente um processo de enxergar-analisar-entender. Funciona mais como um sistema de exploração contínua, que não tem fim, em que cada vez mais dados são coletados do ambiente e isso afeta a cada momento a percepção total. Todas as vezes em que olhamos ao nosso redor, estamos continuamente respondendo nossas dúvidas sobre o ambiente e fazendo novas perguntas. Ao ver um pontinho preto na nossa pele, que não havíamos visto antes, nos perguntamos como ele foi parar ali? Há outros pontinhos na pele? Isso mostra que durante a visão a nossa memória participa ativamente. Assim, podemos afirmar que só enxergamos de certo modo, aquilo que conhecemos. Somos cegos para o que não aprendemos antes. A nossa visão é extremamente “preconceituosa” e enxerga tudo de modo muito particular. Cada pessoa tem uma visão diferente do mundo.

Os olhos tem inteligência. Como todas as informações que recebemos do nosso ambiente são bagunçadas e cheias de duplo sentido, os olhos tem que trabalhar para perceber mudanças e “não-mudanças”, de modo a organizar o que chega a partir do mundo exterior.

Quando a visão vê um objeto pela primeira vez, não guarda o objeto inteiro. Até porque, convenhamos, isso ia ser um problema pois, como o cérebro faria para saber de quê ângulo o objeto deveria ser “fotografado” pela mente? De frente? De lado? De cima? Agindo dessa maneira, teríamos que enxergar todos os ângulos possíveis da forma e nosso cérebro ficaria entulhado com um monte de imagens repetidas do mesmo objeto. Ou seja, seria um desperdício de espaço. O que o cérebro na verdade faz é guardar apenas as formas que contém as características que não mudam nos objetos, independente do ângulo em que estejam sendo vistos. Essas formas que o cérebro guarda recebem o nome de padrões invariantes (ou seja, que não mudam).

Conforme nossa memória visual vai crescendo, usamos esses padrões para detectar as formas básicas e pra tentar adivinhar as formas intermediárias que aparecem quando estão em diferentes posições.

Quando a visão está tentando reconhecer um objeto, na verdade o cérebro compara os dados que vêm da retina com o padrão guardado na memória de longa-duração. A representação na memória que se enquadra mais perfeitamente com o que a retina está recebendo é selecionada como sendo o objeto visto. Assim, basta vermos por exemplo o contorno da sombra de uma planta para sermos capazes de detectá-lo pela memória, usando um padrão simplificado.

Como dificilmente um objeto ou forma permanece a mesma pra sempre, a memória visual continua evoluindo e se modificando com a experiência. Cada vez que vemos algo mudar, a memória visual é atualizada de modo a refletir a diferença do objeto. Novamente, o que o cérebro vê e o que a memória guarda são as diferenças. O cérebro nunca guarda duas ocorrências da mesma coisa. Esse é um argumento pela qual um logotipo ou símbolo nunca deve ser igual a outro similar, pois ao fazer a simplificação das formas, o cérebro percebe que na verdade tem o mesmo padrão e então descarta o logotipo copiado, já que aquele padrão já tinha sido armazenado na memória.

O psicólogo James Gibson, em seu livro sobre a teoria ecológica da óptica, diz que não é a luz em si que define se um objeto é visível ou terá essa ou aquela forma. Pra ele o que importa é a “relação”, ou seja, são as mudanças e transições na matriz ótica e não a luz em si mesma, que afetam a visão. São as diferenças entre os pontos e retalhos de luz que nós vemos. Assim sendo, é a “mudança” que ativa a visão e é o “relacionamento” que carrega o significado.

A escola de percepção visual chamada Gestalt aponta para esse mesmo raciocínio. Segundo ela, os princípios que norteiam a percepção estão no espaços “entre” os elementos ao invés de estar “dentro” deles. O significado deveria ser encontrado na relação entre os objetos e no relacionamento que formaria a imagem total, não nas partes separadas em si.

E o que isso tem a ver com o design gráfico?

A importância que isso tem pro design é que as partes nunca são vistas de modo isolado. O todo é maior que a soma das partes (esse conceito é chamado de “supersoma” na psicologia gestaltista). Se uma parte muda, as demais partes podem precisar mudar para reacomodar as diferenças e manter a percepção total que desejávamos no princípio.

Por exemplo, se um cliente pede pra aumentar um logo ou pra tirar um fundo, isso pode exigir um layout completamente novo. Uma composição gráfica não é um processo simples onde se colocam e tiram coisas, como se elas não tivessem relação nenhuma entre si. Quando um designer adiciona elementos visuais numa página, está resolvendo o tempo todo a questão do equilíbrio. Se elementos são adicionados ou retirados, o equilíbrio pode ser desfeito, exigindo uma nova organização visual. Experimente tirar ou adicionar frases na letra de uma música. Uma nova frase pode exigir que você mude as outras que já estavam presentes, que tire algumas palavras, descubra uma nova rima, enfim, a música não é uma simples soma de elementos. Um layout também não é.

Para saber mais:

Barry, A. Visual Intelligence – Perception, Image and Manipulation in Visual Communication. State University of New York, 1997.

Stevens, J. Isto é Gestalt. Summus Editorial, 1977.

Rhyne, J. Arte e Gestalt – Padrões que convergem. Summus Editorial, 2000.

Arnheim, R. Arte e percepção visual – uma psicologia da visão criadora. Editora Thomson Learning, 2006.

 

 

Decepção? Sim, mas com esperança.

Escrevo este post como continuação do post “Deus-igners, especulações e outras coisas perigosas“. O post teve uma excelente repercussão, com 33 comentários (5 são meus), o que é um indício de que serviu para fomentar a discussão e fazer muitos pensarem no tema da qualidade do ensino e prática do design no Brasil. E isso me dá motivos para crer que há esperança de melhora. 🙂

Algumas pessoas notaram o caráter ácido daquele post. Sim, era pra ser mesmo ácido, não pra gerar uma reação química, mas uma reação nos pensamentos, corroer o conformismo e a passividade.

O texto, conforme bem apontou Guilherme Serrano, tem pitadas de decepção com o comportamento especulativo de alguns designers e professores.

A crítica principal recai sobre as faculdades de design, que utilizam bibliografia ultrapassada e questionável como base para ensinar os alunos, repetem “receitas” sobre como fazer design e que raramente são questionadas.

Analise a seriedade da situação: alunos que saíram do segundo grau, com seus 17 ou 18 anos, entram numa faculdade de design, precisam sair da condição “não sei por onde começar a fazer design” e pra isso começam a receber informações do tipo “faça assim e os problemas de design serão resolvidos”.

Só que muitos alunos ficam refém de muitas informações que são puramente especulativas. Pra citar apenas um exemplo, um dos mais famosos livros brasileiros adotados pra ensinar Teoria da Cor, em muitas faculdades de design e publicidade, tinha erros grosseiros nas suas primeiras edições. Ensinava que as cores primárias subtrativas são azul, vermelho e amarelo (na verdade são ciano, magenta e amarelo). Esse erro foi corrigido nas edições posteriores, mas quem só leu a primeira edição saiu por aí repetindo esse e outros conceitos incorretos. Se, até num conceito passível de comprovação, um livro-base erra, quem dirá em outros conceitos que tem alta carga de subjetividade?

Pra ilustrar melhor: eu chego numa eletrônica, peço pra consertar meu leitor de DVD e o técnico me diz que o “módulo de retificação” está com problemas e precisa ser trocado. Eu sou completamente leigo em eletrônica. Como vou saber se o que ele me diz é verdade ou não? As opções neste caso seriam: consultar outros técnicos, procurar informações sobre o tal módulo de retificação, enfim, verificar se aquilo que está sendo dito é, de alguma maneira, confiável. Ou, posso usar a opção mais cômoda: o técnico diz, eu acredito cegamente e pago pra consertar o aparelho. Pra quê me dar ao trabalho de ficar comprovando tudo o que eu ouço?

Mas no caso do design gráfico, o buraco é mais embaixo. Alguns alunos vão pras faculdades, aprendem um monte de informações, transformam isso tudo em conhecimento e vão pro mercado de trabalho. Daí, fazem os projetos e usam seu know-how para justificar suas decisões para o cliente. Ou não justificam nada, simplesmente apresentam e dizem: “pronto, aí está seu projeto”. O cliente pensa: “estou colocando a imagem da minha empresa nas mãos dessa pessoa, estou pagando 3.000 reais para acreditar que essa solução irá resolver meu problema. Será que eu posso confiar nela?” Se o designer fez decisões informadas, utilizando conhecimento válido (e muitos fazem isso), ótimo, seu papel profissional foi cumprido. Mas isso não acontece sempre, pois muita gente sai por aí repetindo as lendas urbanas do design, diminuindo as chances de um projeto funcionar. O problema fica sem solução, o cliente fica sem resultado e quem paga o pato são os outros designers sérios, já que o cliente tende a generalizar e achar que esse tal de “design” é só um nome chique pra enrolação. Pra que pagar 3.000 reais se meu sobrinho entrega a mesma qualidade por 100?

Muitos designers simplesmente PARAM de estudar depois que se formam. Simples assim. Alguns continuam estudando, se atualizando, lendo blogs de conteúdo, comprando livros confiáveis, sentando numa mesa com outros designers pra tomar um chopp e refletir sobre sua atuação profissional etc. Já outros designers formados trabalham o dia todo, chegam em casa à noite e só querem um banho e cama. Estão cansados demais pra continuar estudando design e se mantendo em dia. PDF X-3a? Sistema Acrobat.com? Fluxo editorial colaborativo não-linear? Arquitetura da informação? Componentes voláteis orgânicos em tintas? Design ecoeficiente? Pra quê?

Ou seja, pra muita gente o aprendizado sobre design começou e terminou na faculdade. Se, na faculdade, ele aprendeu a questionar o ensino, fazer críticas e defender um conhecimento de qualidade, ótimo. Agora se, ao invés disso, aprendeu coisas que são mitos, história da carochinha, como pretendo provar nos próximos posts, esse designer tem um problema. Os clientes tem um problema. A sociedade tem um problema.

Logo, minha “decepção” é voltada para os professores de faculdades que enrolam os alunos, e para os alunos que aceitam passivamente tudo que escutam. Se você não está em nenhum desses 2 grupos principais, ótimo. Junte-se aos designers que pensam e refletem sobre a profissão e divida seu conhecimento. Todos sairão ganhando.

(P.S.: Essa é minha visão pessoal e parcial. Conto com os comentários de vocês para saber o que acham dessa situação e até para me deixar feliz, provando que estou enganado, que nas suas faculdades isso não acontece e que não há motivo para decepção).

Análise crítica da visão dualista de representação

A representação da realidade é um importante instrumento de comunicação para os designers gráficos e de informação. Alguns modelos tentam dar conta da classificação desses diferentes modos de representação. Um modelo é o semiótico, baseado na iconicidade e similaridade. Num artigo publicado em 2001, no Information Design Journal, Elzbieta Kazmierczak defende que a representação por diagramas, embora seja abandonada desde cedo no desenvolvimento das crianças, é superior. Segundo ela, a imitação que domina a cultura Ocidental está fundamentada na ênfase inadequada sobre a aparência, que desvia a atenção do que realmente importa, que é a essência. O texto a seguir demonstra que esse juízo de valor é precipitado e que a dicotomia entre imitação e representação é insuficiente para descrever o espectro contínuo da visualidade.

Tipos de representação

Segundo Kazmierczak (2001) temos duas formas principais de visualização: a arte imitacional e a não-imitacional, sendo que uma delas é materializada através de imagens e a outra por diagramas. Essas definições estão alinhadas com a classificação peirceana onde as imagens são ícones que representam qualidades visuais imediatas e os diagramas são ícones que representam relações estruturais (KAZMIERCZAK, 2001).

Outra distinção referente à imagem e diagrama, é que a primeira é usada para imitar a realidade e o último para representá-la. A imitação viria da tradição Aristotélica, em que a função da arte é o puro mimetismo, uma simples descrição da aparência da realidade. (KAZMIERCZAK, 2001).

Ao invés de imitar, designers de informação e designers gráficos usam diagramas para representar as relações dentro da realidade, tornando aparentes as relações lógicas e estruturais, antes invisíveis (KAZMIERCZAK, 2001).

Enquanto as imagens são ferramentas efetivas para modelar a realidade conforme a vemos, os diagramas são melhores para modelá-la conforme aentendemos. Por isso, diagramas requerem um alto grau de elaboração intelectual da realidade, ao contrário das imagens, que não tem essa exigência (KAZMIERCZAK, 2001).

Logo, a imagem, enquanto tipo de conhecimento advindo da realidade, é um agente de conhecimento visual. Já o diagrama é um agente de conhecimento conceitual, mais elaborado, portanto.

Imagem é inferior ao diagrama

Ao apresentar essa simples polarização entre imagem e diagrama, sob o ponto de vista semiótico, Kazmierczak (2001) faz parecer em seu artigo que o modo de representação literal é inferior ao modo diagramático, pois descreve apenas a aparência da realidade, ao invés de ir além, informando sobre suas relações.

Ela defende a superioridade dos diagramas, ao citar que as crianças começam a desenhar usando essas formas de representação da realidade, concentrando-se nas características e relações estruturais de um objeto, ao invés de focar na aparência imediata. Segundo ela, a maioria das crianças ocidentais, por volta da 5ª série, perdem o senso de encantamento com o desenvolvimento da forma, inclusive diagramas. Isso acontece quando comparam seus desenhos com o modelo cultural vigente e percebem que parecem estar falhando nas suas representações (KAZMIERCZAK, 2001).

Além de usar o comportamento infantil como defesa de sua tese, Kazmierczak usa a filosofia oriental como argumento. No Oriente, o paradigma que governa a representação é o diagrama, uma estética que se baseia em algo que não é a semelhança imediata com a realidade. Na cultura oriental, a aparência externa parece ter menos importância, sendo que as relações e a essência tem maior valor. Há uma oposição da regra ocidental do “mais e melhor” com o oriental “menos é melhor” (KAZMIERCZAK, 2001).

Diferentemente da cultura oriental, no Ocidente, a estética do realismo e a arte imitacional dominam a mídia e dirigem as expectativas do público em geral, levando a uma preocupação que enfatiza a aparência e define a imagem como um indicador da qualidade (KAZMIERCZAK, 2001).

Considerações sobre a visão semiótica de Kazmierczak

Entendemos que classificações semióticas são úteis no momento de estudar e analisar a realidade, e modelos taxonômicos servem para alinhar discursos e diferentes estudos sob as mesmas categorias, visando a economia de tempo e outros recursos.

No entanto, a semiótica, na tentativa de classificar conceitos e representações, descobriu que essa tarefa de reduzir o mundo a categorias não era tarefa fácil. O próprio Charles Peirce escreveu mais de 70.000 manuscritos (além dos que se perderam) na tentativa de sistematizar sua classificação, e não concluiu sua obra (NETTO, 1999). Isso pode ser explicado em parte pelo fato de que no mundo real as diferenças entre as coisas, idéias e conceitos não é tão simples assim.

O problema no artigo de Kazmierczak começa no uso do termo “representar” para diagramas e “imitar” para imagens, como se fossem ações de naturezas diferentes. A visualização da realidade se expressa em ambos os casos sob a forma de representação, sendo que o que muda é o grau de mimese e o objeto representado. A imitação que os artistas fazem da realidade, na forma de imagens também “representa”, do mesmo modo como os diagramas. Portanto, essa distinção entre imitação e representação para designar as formas de visualização parece inadequada e ambígua.

A separação entre “aspecto visível” e “estrutura inerente”, representados pela imagem pelo e diagrama, respectivamente, perde sentido quando se analisa a própria concepção de forma, que sempre inclui a estrutura (ALEXANDER, 1971; OSTROWER, 1987; WONG, 1998). Ou seja, quando um artista representa e descreve a realidade, a estrutura essencial dela está contida na imitação.

A forma resultante do processo de imitação, não é um processo passivo e, segundo Kazmierczack, desprovido de trabalho intelectual. Assim como o diagrama, a imagem é resultado de várias escolhas diante de tantas outras possibilidades de ordenação espacial. Essas decisões vem de processos de interpretação do meio físico e cultural, de necessidades, desejos, domínios de técnicas e tecnologias que viabilizam esses objetos (SIQUEIRA, 2006). Mais do que representar a realidade aparente, representa a condição humana.

Não bastasse o termo falho, para diferenciar imagem e diagrama, essa dicotomia sugerida pela autora não é real. O modelo mais próximo de representação da realidade refletiria uma gradualidade e não um cenário de pólos opostos e contraditórios.

Uma tentativa de descrever esse gradiente de representações, foi feita por Moles (1969) numa sequência crescente entre a imagem até diagrama, dando-lhe o nome de grau de iconicidade. Segundo ele, este grau liga-se em grande parte com a semelhança da imagem que é apresentada com o elemento icônico. O grau de iconicidade seria o oposto do grau de abstração, sendo inversamente proporcional. O grau de abstração refere-se à propriedade que uma imagem tem de descrever o mundo real, fazendo uma síntese dele.

O grau icônico pode variar entre dois extremos, que começam na representação concreta e vão até a abstração total, que é um signo que não tem relação nenhuma com o objeto representado, a não ser através de convenções culturalmente determinadas.

Num projeto de cartaz, Moles exemplifica de que maneira os designers aplicariam uma escala de iconicidade ou de abstração (veja Tabela 1) (MOLES, 1969). Ao invés de reduzir as representações a uma dicotomia simplória, ele se aproxima mais do contexto real, em que as descrições do mundo não são preto e branco, e sim uma mistura de tons, onde é difícil determinar onde eles começam e terminam.

Tabela 1. Extrato da escala de iconicidade adaptada ao cartaz. Escala de abstração crescente (MOLES, 1969).

Definição Critério Exemplo
0 O próprio objeto Reduçao eidética no sentido de Husserl O objeto de uma encenação teatral, a exposição, a vitrina da loja
1 Modelo 2D ou 3D Cores e formas realistas, variações de escala, materiais arbitrários Mostra factícia
2 Projeção 2D ou 3D Cores e materiais simplificados em função de critérios lógicos Fotografias realistas em cores
3 Foto P&B ou irrealismo das dimensões Projeção e perspectiva rigorosas, meias-tintas, sombra Catálogos ilustrados, cartazes, anúncios
4 Desenho ou fotografia, perfil salientado Operação visual do universo aristotélico, conceito de corte e isolamento, conceito de cofre de jóias ou pedestal, ausência de gravidade, continuidade do contorno e fechamento da forma Fotografias solarizadas, prospectos com cortes de fundo etc.
5 Esquema anatômico de construção Abertura do envoltório, respeito da topografia arbitrária dos valores, quantificação dos elementos e simplificação Corte anatômico de um motor de automóvel, carta geográfica, corte de uma máquina de lavar
6 Vista explodida, as peças são isoladas mas ficam em sua direção relativa Disposição em perspectiva das peças segundo suas relações de vizinhança, demonstração de uma ligação ou de um encaixe Cartaz de argumentação técnica, cartaz relativo a uma família homogênea de objetos
7 Esquema de princípio, realizado com símbolos Substituição dos elementos por símbolos normatizados, passagem da topografia à topologia, geometrização, sintaxe de uma linguagem Plano esquematizado do metrô, publicidade que apela para a pretensão de tecnicidade do espectador
8 Organograma ou esquema de bloco Os elementos são caixas negras funcionais, ligadas por flechas ou conexões segundo uma análise das funções Organograma de uma empresa, cartaz político, argumentação de organização ou de ligação

 

Não bastasse a sua visão reducionista, Kazmierczak demonstra ainda juízo de valor em seu artigo, na medida em que defende a superioridade dos diagramas em relação às imagens. Segundo ela, crianças deveriam continuar desenhando diagramas e representando relações estruturais, ao invés de apenas mimetizar a aparência da realidade, e o ocidente seria beneficiado se seguisse o modelo oriental que enfatiza o “interior” e não o “exterior”.

Essa dicotomia lembra a antiga discussão sobre a superioridade do conteúdo versus forma, espírito versus corpo, visível versus invisível e o temporário versus o eterno da filosofia de Platão (PLATÃO, 2000). No entanto, conforme já se demonstrou, a distinção entre o interior e exterior, conteúdo e forma, não se aplica, visto que a forma também é conteúdo, assim como um diagrama também é imitação, só que em grau menor, e com foco em relações subjacentes e nem sempre tangíveis.

Talvez a intenção da autora, ao criticar a mimese imediata da realidade aparente, fosse questionar o comportamento fetichista da sociedade, que “adere” aos objetos significados e características que não fazem parte da sua essência “inerente”, num viés similar ao de Cardoso (1998). Sob esse ponto de vista, faria sentido fazer uma contraposição entre essência invisível e aparência visível. Mas a crítica não deveria ser contra a imitação do que se vê, mas o valor que se dá ao tangível.

Kazmierczak também argumenta que a ênfase na aparência externa seja cultural e, em parte, ditada pela mídia ou pela sociedade. No entanto, há pesquisas que demonstram que a preocupação com o lado exterior pode ser muito menos cultural e sim biológica. Um bebê nasce com preferências sobre a visualidade e faz julgamentos sobre a aparência imediatamente quando vê algo digno de atenção (ETCOFF, 1999). Se a importância sobre o aspecto externo fosse algo imposto culturalmente, bebês não demonstrariam preferências sobre fatores tangíveis. Mas não é isso que acontece.

Conclusão

Portanto, embora reconheça-se que a realidade possa ser representada de diferentes formas, e que imagens e diagramas refletem as duas formas principais, a separação dicotômica entre “imitação da aparência” e “representação das relações” é simplista demais. Ter consciência sobre os estágios intermediários de representação, presentes entre esses pólos, é mais útil para o designer que pretende representar a realidade com finalidade instrumental, visando atingir objetivos de comunicação.

Referências

Etcoff, N. A Lei do Mais Belo. Rio de Janeiro: Objetiva. 1999

Kazmierczak, E. A semiotic perspective on aesthetic preferences, visual literacy, and information designInformation Design Journal, v.10, n.2, p.176-87. 2001.

Moles, A. O Cartaz; tradução de Miriam Garcia Mendes. São Paulo: Perspectiva. 1969

Netto, J. T. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo: Perspectiva. 1999

Platão. Fédon; tradução de Maria Teresa de Azevedo. Brasília: UnB. 2000

Série “Mitos do Design Gráfico” #1: Vermelho Chama Mais a Atenção

Por que é mito?

No começo da carreira como designer, eu também acreditava nesse “poder” da cor. Acreditava porque ouvia muita gente repetir, lia em livros, sites e até assistia na televisão. Como era um pensamento comum, eu aceitava, pois imaginava que era impossível ter tanta gente equivocada.

Tolinho. Eu era bem tolinho.

Mas, com o passar do tempo, e depois de estudar outros assuntos, além da teoria das cores, eu percebi que tinha alguma coisa errada nessa história de “chamar a atenção”. Foi só depois de ler sobre a “atenção em si”, em livros e periódicos de cognição, ergonomia e percepção visual, que eu cheguei à conclusão de que não tinham me contado tudo.

Pra responder essa questão sobre cores que atraem, precisamos entender o que é a atenção e como ela se relaciona com a percepção visual. (Antes, um aviso: se você acha que já sabe tudo sobre cor e percepção, não precisa ler o artigo, ele não tem nenhuma novidade pra você).

O que é a atenção?

A atenção é o processo cerebral em que nos concentramos seletivamente em um aspecto do ambiente enquanto deixamos outros de lado.

Antes de prestar atenção em algo, é preciso senti-lo, captá-lo com nossos sentidos. No entanto, visto que nosso cérebro é limitado, ele não reage “a todos os estímulos que recebe”, seja uma cor vermelha, amarela ou qualquer outra. Se não fosse assim, o cérebro entraria em colapso, dada a quantidade absurda de estímulos que chegam a nós. Autores como Ornstein (1986) chegam a dizer que diariamente recebemos bilhões de estímulos. 

Por isso, o cérebro desenvolveu a chamada seleção perceptiva, ou seja, as pessoas atendem apenas a uma pequena porção dos estímulos a que são expostos. Logo, usar vermelho não é garantia de que algo vai chamar mais ou menos atenção, pois a pessoa pode simplesmente ignorar essa cor.

Mas digamos que o vermelho foi uma das cores que a percepção detectou. Isso significa que ela irá chamar mais a atenção em relação às demais cores (ou comprimentos vísiveis da luz branca)? Não necessariamente.

Visão antiga

Essa idéia de que o vermelho “chama mais a atenção” reflete uma visão antiga, pavloviana, passiva, sobre o comportamento humano, do tipo “ligue o botão A e acontecerá a reação B” ou “use a cor X e o cérebro fará Y”. Esse tipo de pensamento ignora o fato de que a percepção é um processo ativo, que é afetado por filtros baseados nas nossas experiências anteriores e na cultura.

Nem tudo é percebido

Um desses filtros é chamado de vigilância perceptiva, ou seja, as pessoas tem uma tendência a perceber estímulos que se relacionam com suas necessidades presentes. Se uma pessoa precisa encontrar um objeto cuja cor ele sabe que é amarela (uma caixa de Maizena, num supermercado, por ex.) ele pode simplesmente ignorar objetos de cor vermelha e sequer prestar atenção nela. O mesmo acontece quando procuramos um livro verde na estante ou um link azul numa página de Internet. Nossa necessidade filtra os estímulos e nos faz reagir apenas aos que nos interessam.

Outro filtro utilizado pelo cérebro é a defesa ou distorção perceptiva. Isso significa que as pessoas vêem o que elas querem ver. Esse fenômeno explica porque nem sempre as pessoas interpretam nossas mensagens visuais da maneira como gostaríamos, mas sim do jeito que elas bem entenderem. Nesse processo de distorção, o uso do vermelho não garante que alguém vai selecionar esse estímulo e muito menos prestar atenção nele. Os interesses e necessidades individuais tem papel dominante, independente do uso de uma cor vibrante.

Por último, um fator que questiona essa supremacia da cor X ou Y é a adaptação, ou seja, o grau em que uma pessoa continua notando um estímulo com o passar do tempo. No processo de adaptação, as pessoas simplesmente podem deixar de prestar atenção a um estímulo, ou cor, só porque ela ficou muito familiar. Isso também pode ser chamado de “habituação”, que é quando um estímulo perde força. Os psicólogos detectaram vários fatores que podem gerar adaptação, como a intensidade do estímulo, duração, discriminação, exposição e relevância.

Isso quer dizer que a cor não tem impacto nenhum na nossa atenção?

Sim, possui, mas ela não trabalha de maneira isolada. É a cor, combinada com outros fatores do ambiente e do contexto, que podem atrair ou afastar a atenção. Em geral, os estímulos que são diferentes de outros ao redor tem mais chance de serem notados. Isso pode ser obtido com o tamanho, a cor, a posição ou a simples novidade (aparecer em um lugar inesperado). Utilizar um azul na embalagem, numa categoria de alimentos em que todas as embalagens são vermelhas, pode ter um efeito psicológico atrativo muito mais forte.

Conclusão

Logo, não é a cor vermelha que vai chamar a atenção e sim esse estímulo em relação a outros fatores como o interesse da pessoa, a quantidade de vezes em que ela foi exposta antes àquela cor, quais cores estão no ambiente ao redor, qual a proporção da área vermelha – é um ponto vermelho ou um metro quadrado? -, qual a relação pessoal que o indivíduo tem em relação ao vermelho, em que contexto a pessoa se encontra, que necessidade ela tem no momento, etc.

Muitos designers tem essa consciência, e sabem que essas receitas prontas de design poupam tempo, mas não resolvem o problema. Infelizmente, discutir esses temas é motivo pra arrumar briga, pois pra muita gente esses mitos são tabus, coisas sagradas que não podem ser tocadas. Quem sabe, com este artigo, elas se dêem conta de que as coisas não são tão simples como parecem, e que vale a pena ir mais a fundo nessas questões.

Referências

Solomon, M. (2002) Consumer Behavior – Buying, Having and Being. 5a edição. Prentice-Hall.

Ornstein, R. (1986) The Psychology of Consciousness (1986). 4a edição. Penguin Books.

Harré, R. (2002) Cognitive science: A philosophical introduction. Londres: SAGE Publications.

Deutsch, J.A. & Deutsch, D., (1963) Attention: some theoretical considerations. Psychological Review, 70, 80-90.

Treisman, A., & Gelade, G. (1980) A feature-integration theory of attention. Cognitive Psychology, 12,97-136.

Wolfe, J. M. (1994) “Guided search 2.0: a revised model of visual search.” Psychonomic Bulletin Review 1: 202-238.

Legibilidade das receitas médicas é problema de design

A presença da escrita é indiscutível. Somos uma sociedade verbal, dominada pelo verbal. O uso da palavra escrita resolve vários problemas pra sociedade, ora como memória auxiliar, armazendo informações para futuros usos, ora como instrumento de comunicação, transmitindo informações efêmeras com o objetivo de dar apoio a tarefas. Serve ainda como ferramenta de dominação e expressão de poder, na medida em que os alfabetizados na escrita são encarados como mais aptos ou merecedores do comando social. Como disse Voltaire, “a pena é mais forte do que a espada”.

Mas a escrita também trouxe problemas já que escrever nem sempre é sinônimo de comunicação perfeita. Quando a escrita não é feita de maneira apropriada, visando atingir seu objetivo instrumental, surge toda sorte de consequências negativas.

LEGIBILIDADE E ESCRITA MÉDICA

Dentre essas consequências, podemos citar efeitos simples, como a mera falta de entendimento do texto, até danos à saúde, como no caso de uma escrita médica que leva à administração incorreta de medicamento, trazendo danos ao paciente.

Os legisladores brasileiros até tentaram evitar esse problema. No artigo 35, da Lei 5.991, de 1973, no item “a”, determina-se que somente “será aviada a receita que estiver escrita a tinta, em vernáculo por extenso e de modo legível” (BRASIL, 1973). O Código de Ética Médica, editado pela Resolução nº 1.246/88 do Conselho Federal de Medicina, no Capítulo III da Responsabilidade Profissional, artigo 39, ressalta que é proibido ao médico fazer receitas ilegíveis, obscuras e incompletas (FRANÇA, 1994).

Mas determinar que a escrita médica nas receitas seja “legível”, sem definir o que significa este termo ou qual o parâmetro que define o grau de legibilidade adequada, não resolve o problema.

FALTA DE CONSENSO NA DEFINIÇÃO

Mesmo entre os estudiosos não há consenso sobre o que é algo “legível”. A definição de legibilidade ainda é polêmica, com muitos conceitos diferentes (LUND, 1999). Se, entre especialistas, é difícil definir com precisão o que é legível, espera-se que entre leigos no assunto esse termo não transmita clareza.

Os primeiros estudos de legibilidade foram realizados no final do século 19 por Jean Anisson, sendo que ela foi objeto de preocupação de tipógrafos e designers gráficos por mais de 100 anos.

Dentre as definições que foram dadas pra legibilidade, Tinker (1963) afirmou que ela se refere à “percepção de letras e palavras, e a leitura de material textual contínuo”. Ele ainda disse que as formas das letras precisavam ser discriminadas, as formas características das palavras deviam ser percebidas e o texto contínuo deveria ser lido de modo preciso, rápido, fácil e com entendimento. Mas mesmo ele, especialista em estudos da leitura, usou o termo “leiturabilidade”, em estudos anteriores, para definir o que depois ele chamaria de legibilidade.

Aldrich e Fennell afirmam que um texto legível é aquele que é suficientemente grande e diferente para que o leitor discrimine entre palavras individuais e letras. Já um texto “readable”, é aquele que pode ser lido facilmente, de modo convidativo e prazeiroso para os olhos. O texto pode ser legível, mas se o leitor ficar entediado e cansado, o designer não terá obtido a máxima leiturabilidade (readability).

Zuzana Licko argumenta ainda que legibilidade tem a ver com o hábito ou seja, que as pessoas lêem melhor e mais rápido aquilo que estão acostumadas a ler. Se a forma das letras é muito excêntrica mas as pessoas tem o hábito de ler essa forma, a legibilidade não é afetada. Com isso, defende a idéia de que não importa quão complexa seja o tipo de letra, é apenas uma questão de tempo até que nos acostumemos com ela e então se torne “legível”.

Já Gribbons diz que a legibilidade é definida Segundo 3 critérios: velocidade de leitura, fadiga visual e o nível de compreensão. Ele ainda separa a definição em dos tipos: legibilidade fisiológica (habilidade do leitor em perceber e decodificar um tipo de estilo de letra) e legibilidade estrutural (o uso da tipografia para comunicar a estrutura da informação.

FALTA DE VALIDADE ECOLÓGICA E INTERNA

Mas a falta de definição sobre legibilidade está relacionada às fraquezas presentes nas pesquisas que tentaram mensurá-la de forma objetiva.

Conforme Kinross aponta, a pesquisa sobre tipografia sofre pela falta de validade ecológica, ou seja, seus resultados não se aplicam em condições reais de leitura. Muitas das pesquisas feitas se baseavam no reconhecimento de letras isoladas, ao invés da inclusão em palavras ou em passagens de texto. Dentre as técnicas que ignoram o contexto de leitura estão a velocidade de percepção, perceptibilidade à distância, perceptibilidade na visão periférica, visibilidade, piscada reflexo, fadiga na leitura, movimentos dos olhos.

Alguns pesquisadores que estudaram a legibilidade geralmente estudavam um fator sem perceber como ele se relacionava com outros dentro do contexto. O único contexto que interessava era saber se havia luz suficiente na sala para ver as formas das letras.

Embora não haja consenso sobre o que seja legibilidade ou mesmo sua mensuração, os pesquisadores concordam que as características tipográficas devem ser ajustadas com responsabilidade e que elas são interdependentes ou seja, são relacionadas entre si.

FATORES QUE AFETAM LEGIBILIDADE

Dentre essas características que afetam a legibilidade tipográfica estão: o interesse pelo texto, o conhecimento prévio da informação, a forma das letras, o tamanho das letras, a largura da linha, o espaço entre palavras, entre letras, entre linhas, o layout da página, o contraste figura fundo, a qualidade de impressão, dentre outros. A forma das letras, neste caso, é apenas um dos fatores que importa. Além disso, ela é um fator periférico no processo de leitura. Outros fatores como a “velocidade de pensamento”, que é um fator cognitivo, tem mais importância na leitura do que apenas o formato das letras e sua distintividade. Wright pensa o mesmo, quando diz que os processos de informação ligados à informação sensorial na página impressa, são dominados por níveis de análise mais altos, conceituais e interpretativos.

LEGISLAÇÃO SEM EFEITO

Portanto, a indefinição do termo “legível” e a falta de parâmetros que permitam descrever o quão legível um texto é, permitem avaliar como inócua a legislação que obriga médicos a escreverem de forma “legível” e clara.

Do ponto de vista dos médicos, legível é aquilo que pode ser lido. Como eles sempre conseguem ler a própria letra, então sua letra se encaixa na exigência da legislação médica.

Ao indicar que a única característica desejável de uma receita médica é a “legibilidade”, a legislação comete vários equívocos, tais como:

· Acreditar que a única qualidade necessária restringe-se à presença de legibilidade;

· Ignorar a qualidade realmente importante, que é a compreensibilidade, cujo teste só será feito numa situação real de leitura, com o farmacêutico lendo sua receita;

· Ignorar o fato de que a compreensão é dependente de uma série de fatores como: as experiências prévias de quem lê, a qualidade linguística, o processo de confecção da receita, o contexto de leitura, a estética, a credibilidade do médico, o valor de leitura, a leiturabilidade (incluindo estrutura da receita, retórica gráfica, aspectos perceptivos) e, apenas perifericamente, a legibilidade da forma da letra.

Apontar a legibilidade como único fator importante, para garantir o cumprimento da ordem prescritiva, torna a legislação hermética, uma caixa-preta, que não ajuda os médicos a avaliarem se sua prática se enquadra dentro do esperado e do necessário para garantir a segurança da comunicação no sistema de saúde.

Referências

Aldrich-Ruenzel, N. e J. Fennell, Eds. Designer’s Guide to Typography. New York: Watson-Guptill Publicationsed. 1991.

Arditi, A. e J. Cho. Serifs and font legibilityVision Research, v.45, n.2005. 2005.

Brasil. Ministério da Saúde. Lei nº 5991, de 17 de dezembro de 1973. Estabelece o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 19 dez. 1973.

Carver, R. Reading rate: theory, research, and practical implications.Journal of Reading, v.36, n.2. 1992.

França, G. Comentário ao código de ética médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1994. 175 p.

Gribbons, W. Information Design: A Human Factors Approach to A New Typography. International Professional Communication Conference, 1993. p.

Interview with Zuzana Licko. Emigre 1990.

Kinross, R. Modern typography: An essay in critical theory.London: Hyphen Press. 1992

Kress, G. e T. van Leeuwen. Reading Images – The Grammar of Visual Design. London: Taylor & Francis Group. 1996

Lund, O. Knowledge Construction in Typography: the Case of Legibility Research and the Legibility of Sans Serif TypefacesTeses de doutorado não-publicada, Department of Typography & Graphic Communication, The University of Reading. 1999.

Schriver, K. A. Dynamics in document design: John Wiley & Sons. 1997

Tinker, M. A. Legibility of print: Iowa State University Press, Ames. 1963

Wright, P. Feeding the information eaters: suggestions for integrating pure and applied research on language comprehensionInstructional Science, v.7. 1978.

Wrolstad, M. Methods of research into legibility and intelligibility. In: J. Dreyfus e R. Murat (Ed.). Typographic Opportunities in the Computer Age. Prague: Typografia, 1970. Methods of research into legibility and intelligibility, p.36-41

 

Deus-igners, especulações e outras coisas perigosas…

Faculdades ensinam conceitos de design que não tem nenhuma comprovação, e não são questionadas por isso.
— “Usei a cor amarela no logo pois pesquisas mostram que essa cor dá fome. Prova disso é que o McDonald´s usa essa cor.”
Chute.
— “Usei o azul pois é uma cor que transmite confiança.”
Outro chute.
— “Coloquei o título em cima pois tudo o que fica em cima tem mais importância, afinal, os olhos sempre vêem a página de cima pra baixo, da esquerda pra direita.”
Mais um chute. E sem fazer gol.
É impressionante a quantidade de argumentos usados por alguns designers, diretores de arte e outros profissionais, que afirmam ter base para justificar suas escolhas. O “profissional” finge que entende o que faz. O cliente finge que acredita. Mas o consumidor não finge que compra e o usuário não finge que aceita.

De onde vem tudo isso?

Parte desse comportamento começa em algumas faculdades de Design. Ano após ano professores continuam repetindo aquilo que aprenderam quando eram alunos e que, só porque foi dito numa faculdade, ganhou status de “verdade absoluta”. “Ah, mas foi o professor quem falou!”. Está garantida então a continuidade dos achismos e especulações, que ninguém ousa criticar, ora porque ache que tudo que se ensine nas faculdades seja verdade ou porque não tenha outra referência para comparar e perceber a besteira que está sendo dita.

Os mitos se perpetuam

O resultado? Milhares e milhares de alunos saem repetindo ensinamentos ditos “verdadeiros” que não passaram por nenhuma validação e que não sobrevivem ao primeiro “mas você tem certeza disso?”.

Muitos designers saem repetindo fórmulas prontas do tipo:

  • “letras serifadas são mais fáceis de ler do que letras sem serifa, em textos longos”
  • “o olho vê a página num movimento diagonal do canto superior esquerdo para o canto inferior direito”
  • “a cor vermelha chama mais a atenção”
  • “o tamanho mínimo ideal de texto é corpo 10 a 12”
  • “a melhor resolução para impressão de imagens é 300 dpi”

(pra quem se interessa em saber porque isso são mitos, as referências estão citadas no fim deste artigo)

Mas a regra mais importante não é ensinada. Aquela que diz que “tudo depende”. Todas essas afirmações citadas são questionáveis e carecem de fundamento.

Por que fazemos vista grossa?

Mas admitir essa falha significa também admitir que todas aquelas justificativas dadas pelos designers aos clientes, pelos alunos aos professores, pelos professores aos alunos, na verdade não passam de pura especulação, mera suposição.

Quais as consequências? Imagine se anestesistas dissessem para cirurgiões: “eu acho que a paciente aguenta 500 ml disso”. Ou se um dentista dissesse para o paciente que não tem certeza, mas acha que é melhor arrancar todos os dentes. Enfim, se apoiar em mero achismo gera insegurança e falta de confiança no profissional. Afinal, ele é pago para ter segurança no que diz, e não demonstrar incerteza.

Toda vez que um designer vai tentar justificar uma decisão e não consegue, o cliente fica convencido que tudo não passa de intuição, gosto pessoal. E gosto por gosto, o cliente prefere ficar com o dele próprio, pois ele não vai confiar os rumos do seu negócio numa decisão que mais parece uni-du-ni-tê do que uma escolha com base sólida.

Eu sou o senhor do conhecimento

Muitos designers podem pensar que eles tem mais capacidade que um cliente para decidir pois:

  • são formados numa faculdade
  • leram um livro sobre o assunto
  • tem mais experiência para decidir
  • possuem um “feeling” para a coisa
  • receberam um dom de Deus.

Só que:

  • o fato de ter sido ensinado numa faculdade não é garantia de que o conhecimento é válido,
  • estar escrito em um livro também não é certificado de validade,
  • a experiência do designer não é prova de que os casos que ele vivenciou se aplicam a tudo e possam ser generalizados,
  • basear-se em “feeling” (intuição) é pura especulação e em muitos casos é apenas uma desculpa para se colocar numa posição superior aos outros, alegando ter uma capacidade especial que poucos têm, um talento dado por Deus.

Ainda existe a cultura de que os designers, arquitetos, diretores de arte, tem uma capacidade especial, quase mística, de gerar soluções ideais, sem precisar justificar suas decisões. Essa é a visão do designer autoral, aquela pessoa que assina sozinha um projeto inteiro. Num trabalho em equipe, como a multimídia e o cinema, esse modelo está em desuso. Em ambientes multidisciplinares, com profissionais de diferentes competências, a postura do designer-deus se torna um problema e dá margem para conflitos.

O designer seria muito beneficiado se não aceitasse prontamente qualquer “vento de ensino” e procurasse ter uma visão crítica a respeito daquilo que é considerado “verdade” mas se configura como mera repetição da repetição da repetição de algo que se ouviu dizer que alguém falou.

O que fazer?

Algo que pode ser útil como ponto de partida para esse questionamento, é o que o gestaltismo prega quando diz que “o todo é mais que a soma das partes” ou que “se uma parte muda, a percepção do todo pode se modificar”. Em poucas palavras, isso quer dizer que muitas regras ensinadas nas universidades não valem para TODAS as situações, pois a mudança de um único detalhe pode implicar em mudanças no quadro geral.

Dizer que pontos vermelhos chamam a atenção e transformar isso em regra, por exemplo, desconsidera um princípio geral: “TUDO DEPENDE”. Um ponto vermelho chama a atenção num fundo branco. Mas e se o fundo também for vermelho? E se o fundo for preto? E se isso for visto de noite, sob a chuva forte? Depende, tudo depende.

Portanto, abrir os olhos e não aceitar prontamente tudo que nos ensinam pode gerar um movimento positivo a favor do aprimoramento do design. Na medicina, muitos precisaram morrer para que médicos questionassem alguns mitos. No design não é diferente. Enquanto não procurarmos fundamentos sólidos nos quais apoiar nossas escolhas e argumentos, alunos continuarão sem entender porque tiraram zero, clientes continuarão com dificuldades para confiar em nós e, não menos importante, o design demorará a alcançar o respeito que a profissão merece.

PS: Vale a pena ler o post do Luiz Pizzani a respeito do Pop-Design, é divertido e esclarecedor.

Referências (a pedidos ;))

Se você quiser formar uma opinião sobre os tais mitos, consulte a bibliografia apontada a seguir:

Mito 1 – “letras serifadas são mais fáceis de ler do que letras sem serifa, em textos longos”

  1. Arditi, A. e J. Cho. Serifs and font legibility. Vision Research, v.45, n.2005. 2005.
  2. Kinross, R. Modern typography: An essay in critical theory. London: Hyphen Press. 1992
  3. Kostelnick, C. The rhetoric of text design in professional communication. The Technical Writing Teacher, v.17, n.3, p.189-202. 1990.
  4. Lund, O. Knowledge Construction in Typography: the Case of Legibility Research and the Legibility of Sans Serif Typefaces. Teses de doutorado não-publicada, Department of Typography & Graphic Communication, The University of Reading. 1999.
  5. Schriver, K. A. Dynamics in document design: John Wiley & Sons. 1997
  6. Tinker, M. A. Legibility of print: Iowa State University Press, Ames. 1963
  7. Warde, B. The Crystal Goblet: Sixteen Essays on Typography: World Pub. Co. 1956
  8. Watts, L. e J. Nisbet. Legibility in children’s books: a review of research. Windsor: NFER Publishing Company, Ltd. 1974
  9. Wheildon, C., Ed. Type and layout: How typography and design can get in your message across – or get in the way. Berkeley: Strathmoored. 1996.
  10. Wrolstad, M. Methods of research into legibility and intelligibility. In: J. Dreyfus e R. Murat (Ed.). Typographic Opportunities in the Computer Age. Prague: Typografia, 1970. Methods of research into legibility and intelligibility, p.36-41

Mito 2 – “o olho vê a página num movimento diagonal do canto superior esquerdo para o canto inferior direito”

  1. Barry, A. Visual Inteligence: Perception, Image and Manipulation in Visual Communication. Albany: State University of New York. 1997
  2. Hoffman, D. Visual Inteligence: How We Create What We See. New York: Norton & Company. 1998
  3. Kostelnick, C. The rhetoric of text design in professional communication. The Technical Writing Teacher, v.17, n.3, p.189-202. 1990.
  4. Netto, J. T. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo: Perspectiva. 1999
  5. Schriver, K. A. Dynamics in document design: John Wiley & Sons. 1997
  6. Siqueira, N. Laboratório da Forma. Dissertação de Mestrado não-publicada, Departamento de Artes Visuais do Instituto de Artes da UnB. Brasília, 2006.
  7. SMITH, F. Compreendendo a leitura. Porto Alegre: Artes Médicas. 2003
  8. Tiski-Franckowiak, I. Homem, Comunicação e Cor. São Paulo: Ícone. 2000
  9. Wong, W. Princípios de forma e desenho. São Paulo: Martins Fontes. 1998

Mito 3 – “a cor vermelha chama mais a atenção”

Leia a explicação completa.

Mito 4 – “o tamanho mínimo ideal de texto é corpo 10 a 12”

  1. Elements of Typographic Style. Elements of Typographic Style: Hartley & Marks Publishers. 1992
  2. Frascara, J. Optometry, legibility and readability in information design. Information Design International Conference 2003. Recife: SBDI 2003.
  3. Iida, I. Ergonomia: Projeto e Produção. 1997 (São Paulo: Edgard Blücher)
  4. Lupton, E. Thinking with type: a critical guide for designers, writers, editors, & students: New York: Princeton Architectural Press. 2004

Mito 5 – “a resolução correta para imagens de alta qualidade é no mínimo 300 dpi”

  1. Barry, A. Visual Inteligence: Perception, Image and Manipulation in Visual Communication. Albany: State University of New York. 1997
  2. Frascara, J. Optometry, legibility and readability in information design. Information Design International Conference 2003. Recife: SBDI 2003.
  3. Hoffman, D. Visual Inteligence: How We Create What We See. New York: Norton & Company. 1998
  4. Iida, I. Ergonomia: Projeto e Produção. 1997 (São Paulo: Edgard Blücher)
  5. Marin, J. e J. Shaffer. The PDF Print Production Guide. Graphic Arts Technical Foundation, Sewickley, Pennsylvania, v.257.
  6. Peduzzi, K. But Will It Print?: Prepress File Requirements Every Graphic Designer Must Know But Won’t Learn in School: BookSurge Publishing. 2006
  7. Pender, K. Digital colour in graphic design: Focal Press Boston. 1998
  8. Pipes, A. Production for Graphic Designers: Laurence King Publishing. 2005

A escolha do tipo de letra mais adequado

Escolher a face tipográfica (ou tipo de letra) é uma das tarefas mais complexas e importantes enfrentadas por um designer. Notadamente, a escolha da face tipográfica é um importante aspecto tangível não apenas em documentos mas em outros projetos de design como identidade visual, embalagens, websites, sinalização, dentre outros.

São muitos os fatores que influenciam essa decisão, como a adequação ao objetivo comunicacional, gênero, processo reprodutivo, condições de visualização, níveis de informação, idioma, contexto histórico, legibilidade, além do alinhamento retórico ao discurso da mensagem.

A adequação retórica, assim como os demais fatores, há muito tempo é objeto de pesquisas, identificadas sob palavras chaves como rhetorical typography, typeface persona, typeface suitability, text personas, typeface personality e assim por diante.

Para Schriver (1997), não basta fazer um documento legível. A segunda característica importante para uma boa escolha de tipo é a adequação retórica, ou seja, a relação entre a face tipográfica, o propósito do documento, seu gênero, a situação e as necessidades, desejos e objetivos da audiência. Isso é importante para que a tipografia influencie a maneira como os leitores percebem, organizam e memorizam o conteúdo dos documentos.

Muito se fala sobre a escolha apropriada da face tipográfica, levando-se em conta os diferentes fatores da comunicação, mas uma das mais difíceis decisões recai sobre o valor semântico, no que diz respeito ao significado ou personalidade da forma da letra. A dificuldade vem do fato de ser um fator subjetivo, de difícil mensuração.

Pesquisas sobre personalidade tipográfica

Já faz tempo que se estuda a personalidade das letras. Dentre os primeiros estudos estão Poffenberg e Franken (1923) que avaliaram 29 faces e Brinton (1961) que utilizou a técnica do diferencial semântico para verificar a percepção por parte de grupos de experts e amadores.

Depois deles, diversos livros e artigos sugerem que determinadas faces possuem personalidades, tons ou vozes próprias e que é tarefa do designer decidir qual delas se alinha com o objetivo retórico do discurso tipográfico. Esses estudos tentaram demonstrar que os leitores tem consciência e habilidades para fazer julgamentos acerca da adequação da face tipográfica. Dentre esses estudos, Jan Tschichold (1991) defendia que diferentes faces tipográficas tinham personalidades diferentes e que o caráter do tipo deveria combinar com o caráter do texto verbal.

Outros ainda argumentam que a linguagem visual da tipografia e outros elementos podem oferecer uma textura visual, tom e clima e que a linguagem sugere uma instância retórica: séria, conversacional, depressiva, energética, altamente técnica ou amigável.

Até mesmo a defensora da “transparência tipográfica”, Beatrice Warde, em seu livro “The Cristal Goblet”, se contradiz ao reconhecer a força retórica do tipo quando diz: “Monte uma página em Fournier em oposição a outra em Caslon e outra em Palatino e será como se você tivesse ouvido três diferentes pessoas fazendo o mesmo discurso”. Se a transparência do tipo fosse possível, essa contaminação retórica não ocorreria.

A pesquisa de Eva Brumberger

Num artigo de 17 páginas, intitulado “The Rhetoric of Typography: The Persona of Typeface and Text”, Eva Brumberger (2003b), faz uma tentativa de demonstrar que 15 diferentes faces tipográficas continham uma dimensão semântica própria, e que conhecê-las seria uma ferramenta para designers tomarem decisões sobre adequação retórica do tipo.

O método que Brumberger utilizou, tinha como objetivo investigar se os leitores associavam CONSISTENTEMENTE atributos de personalidade para faces tipográficas específicas.

Deficiências da pesquisa sobre personalidade do tipo

No entanto, ela mesma reconhece que o objetivo da pesquisa não era esgotar o assunto, mas servir de base para pesquisas futuras. E novas pesquisas vão ser realmente necessárias, pois o trabalho de Brumberger tem diversas deficiências e se baseia em premissas que já foram questionadas cientificamente.

A primeira deficiência do artigo refere-se ao argumento de que faces tipográficas tem personalidades particulares, CONSISTENTEMENTE associadas ao tipo. No entanto, Brumberger não deixa claro que essa personalidade não é consequência da face tipográfica e sim do seu uso dentro de um experimento controlado, em condições que não refletem uma situação real de uso. Ela mesma diz no seu artigo que “este estudo não visa simular uma situação típica de leitura”. Prova disso é que as amostras de faces tipográficas utilizadas nessa pesquisa mostravam o alfabeto completo (em caixa alta e baixa), com números e a frase “A quick brown fox jumped over the lazy dog”, que usa todas as letras do alfabeto. Essa situação de leitura não é comum, pois raramente todas as letras do alfabeto são encontradas juntas e dispostas na ordem alfabética. Portanto, não possui validade ecológica.

Além disso, todas as letras da amostra tinham o corpo 14 como referência. Isso também é um problema, visto que o corpo não mede a face tipográfica e sim a altura do tipo. Uma letra do tipo Script tem tamanho visual relativo bem menor do que uma letra não-serifada e isso é uma variável que pode interferir na atribuição de “personalidade”, configurando falta de validade interna na pesquisa.

Além do problema de validade interna e ecológica, a pesquisa de Brumberger tem uma deficiência conceitual: a forma das letras não encerra significado em si, como se fosse uma caixa que armazena sentimentos. O cérebro não julga o discurso tipográfico através da forma das letras e sim pelas relações no discurso, afetadas pelo gênero do objeto avaliado.

As coisas não significam

O significado não está nas palavras, nem nas faces tipográficas, ele está nas pessoas. E esse significado é construído segundo o contexto, de modo que cada situação pode modificar completamente a voz ou personalidade do signo. Não são as partes isoladas que conferem significado à forma e sim suas relações com o contexto, tanto no nível interno do objeto, quanto nos níveis fora dele, que incluem contexto cultural, fisiológico, cognitivo etc. Como disse Fernando Pessoa, “o que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.

Por essa razão, uma mesma face tipográfica, como por exemplo a Univers (Adrian Frutiger), pode ter “personalidades” diferentes, ora numa amostra em que aparece isolada de outros elementos, ora dentro de um layout repleto de outros fatores visuais como cor, fotografias, ruídos etc. Isso demonstra que a “personalidade” não pertence à face tipográfica e sim à relação dinâmica que surge num contexto de uso real. Isso é, em outras palavras, o que os gestaltistas chamavam de “todo maior que a soma das partes”.

Julgamento inconsciente se baseia no todo

Não bastasse isso, o julgamento sobre a personalidade e adequação retórica de um tipo é feito muito antes da consciência, através da amídala cerebral. O neurocientista Joseph Ledoux demonstrou que milésimos de segundos antes de percebermos conscientemente alguma coisa, não apenas compreendemos inconscientemente o que é, mas decidimos se gostamos ou não dela. O inconsciente cognitivo apresenta à nossa consciência não apenas a identidade do que vemos, mas uma opinião ou julgamento sobre o que vemos. Essa opinião ou atribuição de uma “personalidade” tipográfica, quando vemos a forma de um determinado tipo de letra, é resultado do processo global perceptivo e não apenas da face tipográfica.

Efeito aura e a inferência sobre a personalidade

Outro fator que prova que a personalidade não é resultante apenas da forma tipográfica e sim da soma total de estímulos presentes no contexto, é o “efeito aura” (halo effect). Esse efeito foi estudado pelo psicólogo Edward Thorndike que descobriu nos humanos essa “tendência a fazer inferências sobre traços específicos, com base em uma impressão geral”. Shriver (1997) define o efeito aura como “a tendência de uma pessoa a superestimar ou subestimar a performance de uma pessoa, serviço ou produto com base em informações prévias, que tendenciam o julgamento”.

O efeito aura é um jeito de a mente criar e manter um quadro coerente e consistente para reduzir a dissonância cognitiva. Além disso, tem a função heurística, ou seja, “é uma regra prática que as pessoas usam para fazer suposições sobre coisas que são difíceis de acessar diretamente”. Conforme Rosenzweig, “não é tanto o resultado de uma distorção consciente quanto a tendência humana natural para traçar juízos sobre coisas abstratas e ambíguas com base em outras que são mais evidentes e aparentemente objetivas”.

Uma das consequências práticas do efeito aura acontece quando alguém olha um layout e é questionado sobre a “personalidade” da face tipográfica e o cérebro usa a impressão global do contexto para inferir essas características. Desse modo, dizer que o tipo Helvetica é mais “neutro” e o tipo “Script” é mais informal não condiz com esse comportamento. Uma mesma face tipográfica colocada em diferentes contextos, é afetada por “auras” diferentes, contaminando a impressão que se tem do tipo de letra.

Conclusão

Logo, atribuir significados permanentes ou uma personalidade a faces tipográficas específicas desconsidera a forma relativa como o processo perceptivo opera. Por isso, futuras pesquisas sobre adequação retórica deveriam avaliar a percepção tipográfica em contextos diferentes para estimar a forma como outros fatores visuais interferem na atribuição de significados.

Referências

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Brumberger, E. R. The Rhetoric of Typography: The Awareness and Impact of Typeface Appropriateness. Technical Communication, v.50, n.2, p.224-231. 2003a.

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Warde, B. The Crystal Goblet: Sixteen Essays on Typography: World Pub. Co. 1956

Crítica ao “Manifesto Anti-Design”

No segundo semestre de 2007 foi divulgado um manifesto cuja intenção era expandir a discussão sobre a atuação do designer e os rumos que a profissão estava tomando. É elogiável a intenção do manifesto, na medida em que propõe uma reflexão crítica sobre o design. É bom quando alguém decide se posicionar e deixar de aceitar passivamente tudo que é imposto seja pelo mercado, faculdades, professores, políticos etc.

Visando colaborar para a discussão, faço aqui uma análise crítica ao manifesto (esse post já havia sido publicado no meu blog pessoal, Design pra Vida, em outubro de 2007). Veja a análise a seguir.

Segundo o manifesto Anti-Design,

“Designers gostam de brigar, vivem na sua panelinha, são ignorantes em filosofia, são passivos, são ignorantes em design, são preguiçosos e só querem a prática, vivem pensando apenas numa abstração chamada “mercado”, são escravos do neoliberalismo, são escravos do modelo americano, lidam com abstrações como “mercado, design”, sem saber do que se tratam. Os estudantes de design também são conformados ou ignorantes. “Os designers” rejeitam a teoria, abraçam o tecnicismo, a prática. Eles não tem discussões teóricas com professores, só querem a prática. Os designers dependem do mercado. Sem o mercado, o Design perde identidade, pois professores ensinaram que se não vende e não tem propósito, é arte. Designers não refletem sobre o próprio design e isso gera a falta de reconhecimento da profissão. Quando surge um olhar externo, fora do modelo de design atual, ele não é ouvido pela maioria.”

Em primeiro lugar, que “designers” são esses? Estereotipar a figura do designer, dizendo que “os designers isso, os designers aquilo”, ou seja, todos são iguais, é ser simplista demais. Nem por um milagre ou incrível coincidência, seria possível encontrar um designer que fosse exatamente igual a outro em tudo. Portanto, generalizar dizendo que existe uma figura chamada “O Designer” é perigoso e coloca em dúvida qualquer afirmação que se faça sobre ele.

Em segundo, será que essas características de adoração à prática, rejeição da teoria, subordinação ao mercado e à política são características só dos “designers”? Sabemos que não. Médicos, capoeiristas, engenheiros, policiais, enfim, muitas profissões também padecem desse mal.

Esses comportamentos que são condenados pelo manifesto refletem menos um problema pessoal e mais um problema educacional, que nasce nas famílias, não só nas faculdades ou cursos técnicos.

Concorrência

  • Alguns designers brigam contra micreiros e publicitários, mas médicos também brigam com farmacêuticos, fonoaudiólogos brigam com médicos, engenheiros brigam com arquitetos que brigam com decoradores que brigam com as costureiras que fazem cortina em casa. E porque brigam? Não é porque são designers. É porque são seres humanos que sentem medo, ciúme, inveja ou simplesmente se sentem mais vivos quando entram numa disputa.

Conformismo

  • Alguns designers também são conformados e não criticam, devido a fatores culturais. O brasileiro é passivo. Desde o ensino fundamental, é ensinado a aceitar tudo que vem dos professores como lei. Levantar a mão e contradizer um professor merece apedrejamento nas faculdades, pois muitos brasileiros, sejam professores, alunos ou designers formados, tem dificuldade em aceitar a crítica e levam pro lado pessoal. Isso gera um ciclo perpétuo, onde eu não critico você, que também não me critica. E isso não é um problema só pros designers.

Prática

  • E a adoração à prática, seria um privilégio dos profissionais de design? Não. Que um raio caia na minha cabeça, se apenas os designers gostarem de “cursos práticos”. A rejeição à teoria tem raízes muito mais profundas do que se imagina. A ênfase no trabalho manual, o analfabetismo funcional e a dificuldade em escrever e interpretar textos, a deficiência didática dos professores, a urgência dos tempos, a lei natural do menor esforço, enfim, são muitos fatores que fazem o ser humano querer o caminho direto que leve à realização.

Ditadura do mercado

  • Com respeito à obediência ao mercado, isso também não é característica exclusiva dos designers. Essa sujeição capitalista está menos ligada à ignorância dos designers e sim a uma questão de sobrevivência imediata e subordinação econômica, onde quem detem o capital manda e quem precisa dele obedece. Obviamente, isso não agrada todo mundo, mas a forma de combater isso seria igualando o poder gerado pelo capital financeiro com o poder gerado pelo capital do conhecimento. Só que as instituições educacionais não conseguem isso e essa equalização não acontece. Resumindo, o buraco é mais embaixo, e esse descontentamento dos designers com a lógica capitalista neo-liberal não vai se resolver assim tão facilmente.

Um modelo melhor

Sobre a relação do designer com a teoria, prática, política, consumo e tecnologia, vale a pena comentar aqui o excelente texto “O designer valorizado”, de Nigel Whiteley (in ARCOS: design, cultura material e visualidade. Rio de Janeiro: Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial, out. 1998, v.1 n.1, p. 63-75).

Nesse texto de 1998, Whiteley propõe algo parecido com o que prega o Manifesto Anti-Design, quando propõe um modelo equilibrado de ensino do design que não seja totalmente excludente nem extremista, que atenda ao mercado sem ser um escravo dele. Ele diz:

Precisamos, para o próximo século, de designers criativos, construtivos e de visão independente, que não sejam nem ‘lacaios do sistema capitalista’, nem ideólogos de algum partido ou doutrina e nem ‘geninhos tecnológicos’, mas antes profissionais capazes de desempenhar seu trabalho com conhecimento, inovação, sensibilidade e consciência. Às escolas de design cabe a responsabilidade de fomentar essas qualidades no aluno, e não uma atitude de atender resignadamente às vicissitudes de um sistema consumista obcecado com lucros rápidos e com o curtíssimo prazo. As escolas e faculdades devem satisfações a toda a sociedade e não apenas àquelas empresas que empregam designers diretamente. O designer precisa ser formado para ser verdadeiramente profissional, no sentido em que fala a profissão médica, e para ter consciência de suas obrigações para com a sociedade como um todo e não apenas com os lucros do seu cliente. O designer precisa ser hipocrático, não hipócrita.

Pra finalizar, concordo com o manifesto, quando ele se posiciona contra fórmulas prontas da academia e contra os achismos dos designers. Mas acredito que isso não é um problema do design. Isso é um problema das pessoas. Portanto, o nome Anti-Design não reflete adequadamente a essência do manifesto, pois o que se deve combater não é o design em si e sim os mau designers.